domingo, 13 de novembro de 2016

Carta ao optimismo

Escrevi uma carta, entreguei-a às crianças em mim que a colocaram no marco do correio.

Caro amigo, amigo poético optimismo, ser angélico, frágil, sem ossos, envolto nas penas dos meus pesares.

Um dia matei-te. Agradeci-te a coragem de teres vivido entre os meus altos e baixos e cansei-me de ti. Foi recíproco que eu bem senti isso de ti como também da tua amante a sempre esperançada esperança. Passei a viver nuns dias sim, noutros dias não, outros ainda, nem por isso. Vou para onde o vento me quer. Mas até ele sabe que só vou se eu quiser.

Sentada neste banco gelado pela neve da manhã, solto ar e vejo que no fumo branco que sai um sinal de que havemos sempre de ter esperança. E optimismo.
Nota que hoje falo assim, amanhã não sei.

Escrevo-te para me distrair no morno domingo entre livros, histórias, conversas e portas fechadas aos tremores do mundo.

Numa malga em banho-maria de pensamentos sem forma, no vazio me deixo vadiar. Acolho as primeiras visitas, feitas pensamentos, ofereço o braço, uma cadeira, e, lentamente a vaguear ficamos entre as folhas caídas de pequenos nadas. Falamos de ti e como a tua lembrança ocupa os espaços convidando "poema a manhã", eu em transbordância de poesia, transporto-me antes que a demência do mundo me consiga mudar.

Pergunto-me se o mundo existe para que os homens o envolvam em abraços de poesia, mas perante a sua esquálida feíura, o medo que o invade, de medo mortificado, desconfio de ti amigo optimismo que sempre me insuflaste de cores.

Angustia-me o odor a morte que o vento traz, de outros lados do mundo. Ofendem-me os acontecimentos que levaram as vidas das pessoas à loucura, aos suicídios, causados pelos delírios nauseabundos da ganância de uns quantos atraídos pelo cheiro a sangue que vem da morte. Essas tristes hienas que causam horror.

E tu aí sentado desse outro lado do banco, olhando trocista com o sonho delirante de querer rasgar por uma qualquer fissura e fazer entrar uma luz redentora…o amor é fácil diz o teu olhar…destapa...rasga o véu...

Mas...não fomos sempre assim maníacos da guerra, delirantes pelo sangue dos outros? Repetimos padrões do mal, esquecemos pequenos momentos do bem, e matamos a esperança de viver em amor.
Auden escreveu <precisamos amar o outro e morrer>. A segunda condenação - certeza imposta ao nascer- com frequência esquecemos, enquanto a primeira esquecemos que tem a urgência de apenas ser sentida.

Somos Eros e pó. Paixão e pó – das estrelas – e a elas voltamos. Nunca o tempo de vida é suficiente para sabermos das suas razões. Mas vou acreditar que seja por paixões.

Tenho vontade de deixar a gravidade me arrebatar e me puxar para os teus braços. Às palavras me abraçar. Nos meus pequenos nadas me deixo ficar a vaguear.
Na bipolaridade de ser morte e esperança, não extingo a chama que em mim escapa com vida, consumindo oxigénio, e, na poesia chamada esperança, de um renascido optimismo, que nunca de migalhas de sonhos aceitará viver, apenas de esperanças inteiras se terá de fazer. Fujo para lá de ti.

Porque amanhã, meu caro amigo optimismo, o sol estará vivo e a brilhar e eu viva vou ainda acordar num mar de abraços teus para me confortar.

Tudo o que queremos, está do lado de lá do medo. Vou despir a minha alma, atirá-la para a corda de secar, deixando-a ficar a arejar. Até que de sonhos eufóricos, por ti emprestados, cheirando a fresco e a lavado eu me possa vestir. E talvez te possa fazer renascer.

Sem mais, traz-me um novo sonho eufórico sob a forma de esperança. Despida de medo. Esse é o teu trabalho nas nossas vidas.
Recebe muito carinho meu, que vem do calor que sinto sempre que te abraço.