Os segredos do ciclo de vida: da idade de ouro à idade da sabedoria
Palavras-chave: idade adulta, adulto, adultez, meia-idade, velhice, velho
Desconhecia o rosto reflectido no espelho, não me reconheci, mas aceitei e amei
Agora as suaves rugas fazem-me companhia e aceitei
Despi a roupa que já não me servia num corpo que desconheci, mas aceitei e amei
Outrora de seda, os meus cabelos longos e negros estão salpicados de finos fios de branco que aprendi a amar
Já não posso correr com os meus netos, mas posso ficar benevolentemente a ouvi-los e a contar-lhes como um dia fui igual,
Deixo-os brincar na minha pele feita de pregas macias que eles aprenderam a amar
Um dia nasci do mesmo ventre, da fonte que vai gerar outras vidas que vão envelhecer
Afinal é quem eu sou agora depois de o tempo entrar em mim
Agora que jorro apenas amor, sorrio enquanto aguardo o momento meu, só meu, de partir e recomeçar tudo outra vez
Sinopse:
“Não podemos possuir nenhum objecto de culto mais digno de respeito do que um pai ou um avô, uma mãe ou uma avó…”(Platão, citado por Beauvoir, 1990, p.136)1*
No processo de desenvolvimento que decorre ao longo da vida, os estudos da psicologia são ainda poucos para explicar os fenómenos que atravessam a idade adulta até à velhice, como forma de ajudar a que as mudanças ao longo destas fases sejam vivenciadas, interiorizadas, compreendidas, e aproveitadas como as mais-valias conducente à quietude do fim.
Na meia-idade, ou idade adulta, reestrutura-se a bagagem da vida sob a forma de valores, conceitos, ideais, regras e afectos e prepara-se o novo caminho que leva à velhice. Perante circunstâncias de personalidade inatas, genéticas e em contextos sociais múltiplos e diversos, ao “correr riscos” tanto na idade adulta como na velhice, perante desafios, problemas, conflitos e perdas, o ser humano é conduzido à aceitação e à integração plena de cada nova experiência, ou à regressão, à alienação e ao encerramento a novos caminhos.
Estas duas relevantes etapas no desenvolvimento do ciclo de vida do ser humano, às quais as sociedades atribuem papéis mais ou menos importantes e mais ou menos activos, contêm profundos significados para o saldo positivo do ciclo da vida.
Introdução:
É bem verdade que se cada um pegar no seu nascimento como uma dádiva única e singular e, em si próprio, como um ser total e for capaz de encher e esvaziar a taça da sua vida atrevendo-se a ser o artista que concebe a mais rara das artes, cumpre de forma sublime o seu ciclo do nascer ao morrer, no útero que é o mundo.
Vivemos numa realidade complexa onde o culto da juventude é mais do que um sinal evidente de que não queremos envelhecer nem aceitar a degradação física e intelectual. A procura da eterna juventude enquanto a vida durar é o Santo Graal da ciência, da medicina e da tecnologia, buscando obter respostas que conduzam à longevidade enquanto jovem. Vemos a velhice, apesar do aumento da esperança de vida, às condições de vida mais saudáveis, à evolução da medicina e da ciência que traz melhores cuidados de saúde e ao prolongamento da vida produtiva, como a fase de quebra real de capacidades cognitivas, físicas e intelectuais.
Neste processo de desenvolvimento, a importância dos estudos da psicologia destes processos, prende-se com a maneira de ajudar e orientar os indivíduos a caminhar para a última etapa da vida. As crises na idade adulta (a partir dos 40/45 anos) podem ter tanta ou mais intensidade do que na adolescência, sendo que o desenvolvimento das potencialidades nos papéis sociais, individuais e profissionais, são de extrema relevância para que o adulto se afirme de forma positiva ou se anule e estagne. As passagens da meia-idade para a velhice (a partir dos 65 anos) podem ser momentos dolorosos que dão lugar a estados de alma vazios, ou na melhor perspectiva trazem a sabedoria que conduz à abertura de novas manifestações de um Self completo e enriquecido.
Os segredos do ciclo de vida: da adultez à sabedoria
Shakespeare dá a primeira forma à psicologia da personalidade idade adulta em “Como Gostais II” e as primeiras teorizações aparecem em meados do século XX com Jung, Buhler,Levinson, e Erickson, reconhecendo que a vida tem uma estrutura composta por princípios básicos e comuns, onde o meio ambiente modificava, influenciava e alterava a vida do ser humano em conjunção e interacção com a personalidade, na forma de aquisição, fortalecimento e desenvolvimento de capacidades.
Com Erikson, cada fase da vida (ou estádio de desenvolvimento) tem uma crise subjacente, que prepara para a fase seguinte do desenvolvimento e que traz potencialidades de crescimento caso seja resolvida e integrada positivamente, ou trazendo prejuízos caso seja negativamente resolvida. Os adultos (na fase de vida dos 40-65 anos), atravessam o estádio da generatividade/produtividade versus estagnação porque se trata de uma fase de pleno desenvolvimento das potencialidades pessoais (de criatividade, emocionais e de afirmação) e de interacção social.
No sentido positivo traz tolerância e maturidade ao adulto que se reconhece útil. Na última fase da vida a dialéctica opõe integridade a desesperança. No sentido positivo traz sabedoria, vindo esta do orgulho pelo seu percurso, o amor por si e pelos outros bem como o sentido de unidade e pertença. Se esta crise for resolvida no sentido negativo traz alienação e desespero (Valadares,J.2007,Manual de Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem).
A jornada que é o desenvolvimento do ser adulto caracteriza-se pelo pensamento mais complexo, com maiores responsabilidades e compromissos pessoais, sociais e morais. Novos objectivos e metas pragmáticas são procurados para estruturar a vida adulta. A consciência do desenvolvimento, de crescimento profissional, interpessoal e familiar passam a reflectir a evolução típica desta etapa que tem também como objectivo o de deixar um legado (Levinson).
Na meia-idade, são profundas as mudanças que influenciam o desenvolvimento, sendo elas pessoais (auto-estima, identidade e maturidade), sociais (saída dos filhos de casa e reestruturação das dinâmicas familiares), profissionais (chegada da reforma o menos intensidade laboral) e ainda fisiológicas, como a menopausa (nas mulheres) e a andropausa (nos homens) provocando também o aceleramento de outras metas (posse e propriedade), ou aproveitando as oportunidades trazidas por novos desafios para reavaliar e reestruturar a vida (Levinson), mas também trazendo maior ansiedade relativamente ao futuro.
Nos tempos mais recentes as mulheres na idade adulta, desempenham maior número de papéis e enfrentam condições mais adversas em actividades mais difíceis que lhes exige maior controlo e um novo papel social o que obriga a procurar novas respostas à qualidade de vida. Na velhice as mudanças de metas acentuam-se relativamente à procura de cuidados de saúde e lazer.
Conclusão:
Com uma pequena investigação junto de um grupo de 10 Adultos de 45/65 anos e 10 Idosos de 65/86 anos que viveram situações extremas de guerras, perdas de companheiros (as), perdas de propriedade, perdas de filhos, perdas de empregos, reestruturação de vida na meia-idade estes são os resultados à pergunta:
- Se pudesse voltar atrás e fazer alguma coisa que lhe trouxesse maior qualidade de vida na velhice o que teria feito?
Mulheres de 45-65 anos
Ter-me dedicado mais à família e a motivar os filhos a seguirem caminhos diferentes
Qualquer coisa para não deixar hoje que a reforma me traga depressão e solidão
Teria sido demasiado emotiva e menos racional ao lidar com decisões importantes
Teria aproveitado mais oportunidades de gozar bons momentos e viajado mais
Seria mais ambiciosa
Homens de 45-65 anos
Não ter rejeitado oportunidades de trabalho que trariam mais autonomia financeira
Teria aprendido um instrumento musical
Teria aprendido musica, escrito um livro
Teria mais cuidados com a saúde
O que devia ter feito para melhorar a qualidade da sua vida?
Mulheres 65-86 anos
• Ter estudado
• Não me ter reformado cedo
• Não ter abdicado de mim própria para me dedicar em exclusivo à família
• Casar-me de novo
Homens de 65- 86 anos
• Ter escolhido outra profissão
• Ter aprendido musica
• Não deixaria de trabalhar
• Ter estudado
• Ter pensado mais em mim
Ninguém pode fazer história se não quiser arriscar a própria pele, levando até ao fim a experiência da própria vida, e deixar bem claro que sua vida não é uma continuação do passado, mas um novo começo. Continuar é uma tarefa que até os animais são capazes de fazer, mas começar, inovar, é única prerrogativa do homem que o coloca acima dos animais (Carl Jung,1875-1961)
Mesmo que se veja confrontado com condições adversas, limites sociais e biológicos o adulto faz a sua transição para a meia-idade e posteriormente para a velhice interiorizando essas adversidades, e transformando-as em sentimentos de estreitamento com o mundo que o rodeia deixando de se sentir um estranho mas levando-o a aceitar-se como parte de um todo que o ajudará a completar o seu ciclo de vida em paz.
Cada ser nasce com plenas potencialidades de desenvolvimento e capacidades de resistência, emocionais, cognitivas e sociais para ultrapassar situações adversas.
O equilíbrio entre os riscos tomados e os recursos interiores de protecção, levam a ultrapassar desafios com sucesso (A Resiliência como capacidade de re- construção Humana).
Estas capacidades interiorizadas e reforçadas nas etapas do ser criança, à adolescência até chegar à adultez, conduz a uma maior valorização, consolidação e estrutura do Eu. Os contextos negativos tanto na idade adulta quanto na velhice, influenciam as capacidades cognitivas e afectiva podendo conduzir a situações extremas (incluindo o suicídio). Num ambiente de amor, o ser que se estruturou emocionalmente, que ama os outros e transmite os seus afectos, conhece o seu lugar nesta etapa, reconhece a sua importância perante os demais, servindo além do mais de referência ao desenvolvimento dos mais jovens (Être Vieux,de la négation à l´échange,1991).
Para muitas comunidades ocidentais, a velhice é o tempo da assistência social, de vulnerabilidade, de marginalização, de total dependência, de falta de perspectiva, de acreditar menos em si próprio, de degradação física e psicológica de período de espera da morte.
Para outras comunidades (maioria dos países africanos), trata-se da fase da transformação a honrar e respeitar, da idade da sabedoria, significando esta, a expressão de “juízos adequados e mestria nos aspectos pragmáticos da vida, na compreensão da complexidade da vida e nas elevadas complexidades de aconselhamento” (Marchand,H. 2001,p157), na busca do auto-conhecimento e da verdade como forma de completar a integração plena do Eu.
Bibliografia:
Marchand,H. (2001).A Sabedoria, (excerto do texto).Psicologia do Desenvolvimento
A Resiliência como capacidade de (Re) Construção Humana. Universidade Aberta
Tavares, J., Pereira, A., Gomes, A., Monteiro, S. e Gomes, A. (2007). Manual de Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem. Porto: Porto Editora.
Veysset-Puijalon,B.,Savier,L. (1991). Être Vieux,de la négation à l´échange.Paris.Série Mutations nº124
Webgrafia:
1* Carvalho Jr,J. a psicologia Junguiana in http://psicologia-cgjung.blogspot.com/
Papeando com a psicologia in http://grupopapeando.wordpress.com/category/vida-adulta/
Parabéns!
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