quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Standing Rock rocks!

Porque me é cara esta causa vou contar a história.

Resistir pacificamente não é uma acção fútil nem vã!

A terra está a ser violentada. Tem as riquezas à mostra por baixo da mini-saia que veste para nos abrigar. Mostra-as para que nos sirvamos e, com as suas riquezas, seremos capazes de dar sentido à existência humana. Solo fértil, água, oxigénio, comida, abrigo.
Mas nunca pediu para dela abusarmos...isso é coisa inventada por seres fétidos sem ética nem moral.
Standing Rock é terra Índia que está a ser trespassada, violada, roubada.
Eles defendem-na e protegem-na como eu e tu faríamos se fosse a nossa casa.
Temos a obrigação de ajudar a defender e de a proteger, porque também é a nossa casa.

O Sonho,
Portas que se abriam…os seus ancestrais fixavam-na com olhos carregados de tristeza. Cada porta que abria, mais ancestrais apareciam e fixavam-na tristes.
Viu a sua avó, deitada numa mesa embrulhada num cobertor branco. Ouviu a sua voz “Venham todos. Olhem para o tratado”.

Faith Spotted Eagle acordou, abriu os olhos e ficou a pensar no sonho que tinha acabado de ter. Não o entendeu.
Faith Spotted Eagle é uma mulher índia de idade, veste-se como a sua avó que viu no sonho, com saias coloridas compridas a roçar os tornozelos e, coletes de franjas.
Mas quando coloca os modernos óculos escuros transforma-se na vilã vingadora de Dakota.
Pensava no sonho.

As Profecias,

Búfalo branco sentado contava: virá uma criatura- black snake- que se erguerá das profundezas do chão sagrado, trazendo com ela destruição e muita tristeza, se não for destruída através da união de todas as tribos.
Por muitos e muitos anos os Índios não souberam explicar a profecia da Cobra negra, nem quando esta se manifestaria,
A Profecia da sétima geração contada de geração em geração, prediz o tempo em que jovens se irão levantar e juntar com outras gentes à frente de um movimento de protecção e defesa da terra para que esta possa continuar a ser habitada. Na sétima…

Faith Spotted Eagle viu diante de si o “pipeline” da Keystone XL levando e vertendo o veneno negro a correr nas veias das suas terras…por onde passasse destruiria a água fonte da vida. Por onde passasse destruiria a vida…
Era essa a cobra que tinha de ser destruída. Rapidamente agiu. Corria calmo o mês de Janeiro de 2013.
Era urgente fazer respeitar os tratados que foram sendo persistentemente quebrados ao longo dos anos e, de novo desrespeitados pela Keystone XL uma gigante corporação de exploração de petróleo, entre outras.
Buscar o apoio não apenas das tribos, mas de todos os homens, mulheres, comunidades, associações, organizações, cowboys, veteranos, gente de paz. Em nome da terra o movimento Rejeitar e Proteger lançava profundamente as suas sementes.
Urgente parar a construção da veia que espalharia veneno pelas veias da terra…
A sétima geração, de imediato, sentiu ter chegado o momento de agir em defesa do seu futuro. Guiados, protegidos e em nome dos seus ancestrais. Mobilizaram-se. Pediram ajuda, organizaram-se. Sem precedentes a mobilização e o apoio vinha de todos os cantos individuais e organizados, de nativos e não nativos. Cruzou fronteiras. Na linha da frente os jovens opunham-se e defendiam a sua casa e dos seus ancestrais.

O Búfalo
Em Standing Rock, após uma longa noite de frio, de cânticos e orações, o amanhecer trouxe detenções em massa, espancamentos, balas de borracha, feridos e ataques com cães - como noutros amanheceres em que durava esta acção de resistência pacífica - por parte de uma polícia paga com os impostos de todos que a todos deveria proteger, mas trouxe também, para espanto dos milhares de olhos, vinda de nenhuma parte, a perder de vista, uma manada a de búfalos selvagens.
Os índios têm uma tradição espiritual com estes animais que oferecem alimento e protecção - acreditam ser uma oferenda do Grande Espírito - desde que sejam livres e abundantes, a soberania dos índios permanecerá forte e assegurada.
Este foi um sinal espiritual de vitória e da presença ancestral de todas as famílias que Faith Spotted Eagle viu no seu sonho. As portas que se abriam…

Dia 4 de Dezembro de 2016, dia histórico, os protectores viram o pequeno feixe de luz que a brecha deixou entrar com a ordem de imediata paragem de construção da cobra negra vinda da administração Obama por um decreto presidencial.
Seres humanos há que não silenciam o mal nem o negligenciam.
Agem sobre ele resistindo-lhe com boas acções mesmo tendo que morrer.
Tenho sorte por estar a assistir à História que se está a escrever.
Para viver em paz de pouco precisamos. Os Índios são os genuínos defensores de valores simples, de uma vida integrada com a natureza da qual todos somos parte e que todos queremos ver restaurados.
A força desta união mostra o bem de que somos capazes em confronto com o mal que corre nas veias humanas.
Os Índios foram mortos aos milhares e ainda hoje resistem pacificamente. Sem acções terroristas sem espalhar medo nem terror. Talvez sejam eles o povo eleito. Dão-nos lições de paz. Por isso a sua história me é tão cara.
Talvez numa vida qualquer tenha sido um índio. Ou uma águia. Ou um búfalo.
Depois de Standing Rock os índios nativos já não estão sozinhos. Nunca mais estarão.
A natureza vive sem nós mas nós criaturas humanas não vivemos sem ela.
Os acordados juntaram-se e nunca mais vão deixar de sonhar.

A luta vai continuar. Standing Rock representa-nos a todos.
I stand like a rock with Standing Rock. And it rocks!

domingo, 13 de novembro de 2016

Carta ao optimismo

Escrevi uma carta, entreguei-a às crianças em mim que a colocaram no marco do correio.

Caro amigo, amigo poético optimismo, ser angélico, frágil, sem ossos, envolto nas penas dos meus pesares.

Um dia matei-te. Agradeci-te a coragem de teres vivido entre os meus altos e baixos e cansei-me de ti. Foi recíproco que eu bem senti isso de ti como também da tua amante a sempre esperançada esperança. Passei a viver nuns dias sim, noutros dias não, outros ainda, nem por isso. Vou para onde o vento me quer. Mas até ele sabe que só vou se eu quiser.

Sentada neste banco gelado pela neve da manhã, solto ar e vejo que no fumo branco que sai um sinal de que havemos sempre de ter esperança. E optimismo.
Nota que hoje falo assim, amanhã não sei.

Escrevo-te para me distrair no morno domingo entre livros, histórias, conversas e portas fechadas aos tremores do mundo.

Numa malga em banho-maria de pensamentos sem forma, no vazio me deixo vadiar. Acolho as primeiras visitas, feitas pensamentos, ofereço o braço, uma cadeira, e, lentamente a vaguear ficamos entre as folhas caídas de pequenos nadas. Falamos de ti e como a tua lembrança ocupa os espaços convidando "poema a manhã", eu em transbordância de poesia, transporto-me antes que a demência do mundo me consiga mudar.

Pergunto-me se o mundo existe para que os homens o envolvam em abraços de poesia, mas perante a sua esquálida feíura, o medo que o invade, de medo mortificado, desconfio de ti amigo optimismo que sempre me insuflaste de cores.

Angustia-me o odor a morte que o vento traz, de outros lados do mundo. Ofendem-me os acontecimentos que levaram as vidas das pessoas à loucura, aos suicídios, causados pelos delírios nauseabundos da ganância de uns quantos atraídos pelo cheiro a sangue que vem da morte. Essas tristes hienas que causam horror.

E tu aí sentado desse outro lado do banco, olhando trocista com o sonho delirante de querer rasgar por uma qualquer fissura e fazer entrar uma luz redentora…o amor é fácil diz o teu olhar…destapa...rasga o véu...

Mas...não fomos sempre assim maníacos da guerra, delirantes pelo sangue dos outros? Repetimos padrões do mal, esquecemos pequenos momentos do bem, e matamos a esperança de viver em amor.
Auden escreveu <precisamos amar o outro e morrer>. A segunda condenação - certeza imposta ao nascer- com frequência esquecemos, enquanto a primeira esquecemos que tem a urgência de apenas ser sentida.

Somos Eros e pó. Paixão e pó – das estrelas – e a elas voltamos. Nunca o tempo de vida é suficiente para sabermos das suas razões. Mas vou acreditar que seja por paixões.

Tenho vontade de deixar a gravidade me arrebatar e me puxar para os teus braços. Às palavras me abraçar. Nos meus pequenos nadas me deixo ficar a vaguear.
Na bipolaridade de ser morte e esperança, não extingo a chama que em mim escapa com vida, consumindo oxigénio, e, na poesia chamada esperança, de um renascido optimismo, que nunca de migalhas de sonhos aceitará viver, apenas de esperanças inteiras se terá de fazer. Fujo para lá de ti.

Porque amanhã, meu caro amigo optimismo, o sol estará vivo e a brilhar e eu viva vou ainda acordar num mar de abraços teus para me confortar.

Tudo o que queremos, está do lado de lá do medo. Vou despir a minha alma, atirá-la para a corda de secar, deixando-a ficar a arejar. Até que de sonhos eufóricos, por ti emprestados, cheirando a fresco e a lavado eu me possa vestir. E talvez te possa fazer renascer.

Sem mais, traz-me um novo sonho eufórico sob a forma de esperança. Despida de medo. Esse é o teu trabalho nas nossas vidas.
Recebe muito carinho meu, que vem do calor que sinto sempre que te abraço.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Crónica de uma conferência

"Quando se tenta arrancar a língua de um ser humano não estamos a provar que este mente, antes dizemos ao mundo que tememos o que este possa dizer" George RR Martin, A Clash of Kings
A Medusa - A bela e aterrorizadora União Europeia
"Imaginem-se vestidos com um fato espacial a passearem na Lua. Já lá estão? Então agora tentem tirar o capacete para procurar encher os pulmões de oxigénio. O que é que acontece? Claro, não vão retirar o capacete porque sabem que na Lua não existe oxigénio."
Com esta alegoria, com mais ou menos estas palavras, Yanis Varoufakis começou a conferência para a Democracia e Transparência ao se assinalar o dia internacional do Refugiado (dia de hoje, verdadeiramente dramático) e os 4 anos completos de vida de Julian Assange num exílio forçado (refugiado) na Embaixada do Equador em Londres.
Tentarei fazer um resumo de uma longa e inspiradora conferência que decorreu em Bruxelas, no Centro das Belas Artes, em simultâneo com várias cidades do mundo.
A alegoria de Varoufakis serviu para mostrar o que é hoje a União Europeia. E o mundo em geral.
Há quem diga que hoje a UE está deficitária em democracia...pois de facto é como a lua sem oxigénio. Simplesmente a democracia não existe.
Palavras pronunciadas por um Homem que não quis ser um insider (tendo recebido o convite) e se tornou um outsider para a denunciar e mudar o curso da História. Uma bela União de países que não sendo irmãos (mas família certamente) se construíram por guerras, anexações, profundas divisões, contracções e expansões, de circuitos migratórios intensos e dolorosos (como nas famílias). No final de duas Guerras mundiais desesperavam os povos europeus. Precisavam de um sério interregno de Paz e crescimento. Na base da fundação estaria a democracia e a transparência. Hoje, a medonha Medusa mostra a sua fealdade. A União está prestes a desintegrar-se. Ou...Juntos evoluímos. Separados perecemos.
Abro um parêntesis para uma pequena explicação: de há uns anos a esta data, o mundo tomou um caminho dominado por elites que através de uma "doutrina de choque" ,teoria capitaneada por Friedman da escola de Chicago e executada do Chile ao Iraque passando pela Líbia, até à Russia, China e União Europeia foi vingando e vingando-se nos seus povos. Neste campeonato ganha claramente a ditadura do choque. Aconselho a leitura do livro de Naomi Klein (Doutrina de Choque) para entender o percurso, mas certamente ele tem estado a ser vivido por todos nós que sentimos na pele os efeitos subversivos do choque de invasões brutais, guerras, austeridade e implementação de um capitalismo medusiano, que nada mais tem feito que política de terra queimada, deixando-nos prostrados, em choque, sem força anímica para ripostar.
E aqui regresso à conferência, porque aqui entramos na "Resistance" vestida na figura de Assange, Snowden, Manning e tantos outros que se viram perseguidos, mortos, presos, vigiados, refugiados, com a vida presa por frágeis fios, à mercê de quem tem medo do que estes possam revelar. E se têm revelado!
Assange (como os demais), vivem um processo Kafkiano.
Foi de lágrimas nos olhos, emocionado, que Assange entra em directo connosco e nos deixa um testemunho anti super- herói, cujos super poderes residem na esperança, na continuidade e nos laços de amizade de quem não deixa que a sua vida se quebre. Ou o seu espírito. Que continua a trabalhar para desvendar segredos de quem fala e decide políticas em nosso nome, tudo fazendo ao seu alcance e além, para que nós, o povo, nunca chegue a ter conhecimento.
Varoufakis relembrou o recente "leak" do Wikileaks de Assange sobre a conversa tida entre a representante grega e o FMI sobre as medidas adicionais de austeridade. Se não fossem estes super-heróis da Resistência contemporânea como poderíamos ter acesso a todas as tramas?
Não existe transparência nas Instituições que nos representam e que falam e assinam acordos em nosso nome. Os homens e as mulheres, insiders, guardam os segredos e estão proibidos de os revelar. Isto é um facto e não uma mera suposição. O acordo do TTIP é o exemplo mais recente.
Mas é graças a estes homens e mulheres super heróis e anti heróis, que dão a vida em nosso nome, que vivem presos e/ou exilados e/ou que limpam um pouco da opacidade do espelho, que hoje eu posso assistir a uma conferência onde se fala abertamente e se exige o regresso à transparência e à democracia na Europa. Eles correram os riscos e continuam a corrê-los. Nós somos apenas culpados, se conhecendo a verdade, não optarmos por tomar a pílula vermelha, aquela que representa a liberdade. Como mencionaram Yanis Varoufakis e o filósofo Zizek este último numa intervenção emocionada e emocionante.
Falemos de Assange, falemos de todos estes heróis contemporâneos que é a forma de manter a sua resistência presente.
Vivemos na escuridão da caverna de Platão e eles ofereceram-nos a visão da saída da caverna.
O jovem filósofo da ex -Jugoslávia Srecko fez diversas intervenções importantes, entusiasmantes e carregadas de emoção lembrando numa delas a mensagem de Ghandi e como ela é representada por Assange: "Seja a mudança que quer ver no mundo".
E ele é-o. Os resistentes são-no.
Cada um de nós pode e deve ser também. Srecko lembrou-nos o poema de Niemoller "primeiro vieram pelos comunistas e eu fiquei em silêncio porque não era comunista...". Martin Niemoller, pastor luterano alemão e apoiante nazi, acabou por ser levado para o campo de concentração de Dachau onde escreveu este poema.
Se calamos, um dia, quando nos vierem buscar, poderá não haver ninguém para nos defender.
Por Srecko, que enfatizou diversas vezes que a nova política tem de ser de esperança, continuidade com base nos laços de amizade, ficámos a saber a diferença entre cães e gatos:
- "porque um gato não trabalha para a polícia"!
Por esta razão Assange agora tem um gato por companhia no seu pequeno apartamento na Embaixada altamente vigiada pelo MI6, FBI,CIA, NSA, MOSSAD e quejandos, do pequeno valente país que lhe ofereceu refúgio, o Equador.
Assange expõe os segredos de uma elite perante o mundo. Esse é o seu "crime". Se não fosse por medo do que pode e tem revelado os donos do mundo não lhe queriam cortar a língua. Nem teriam necessidade de esconder as tramas que urdem.
Sobre a sua prisão as Nações Unidas já deliberaram e pronunciaram sendo a conclusão a de uma prisão arbitrária. Para explicar detalhes da opacidade de todo o processo Kafkiano, um dos advogados da sua equipa de defesa esteve presente a explicar alguns dos contornos maquiavélicos onde a Suécia é desnudada sem romantismo.
Arundhati Roy, a premiada escritora indiana escreveu uma carta, lida por Srecko, onde pedia a libertação imediata de Assange vinculando-a à declaração das Nações Unidas. De todos vem a mensagem de esperança e de não silenciar estes nossos heróis.
"Poli" do latim significa "many"(muitos) em Inglês. "Tics" traduzido do inglês significa criaturas que sugam sangue. "Politics" são estas criaturas que nos sugam globalmente o sangue, com tratamentos de choque. Metafóricos e literais. A eles se contrapõem estes heróis contemporâneos que desvendam a opacidade dos conluios, acordos e esquemas através das suas corporações, bancos, medidas de austeridade e guerras impostas e desta união europeia, sem terem mandato para os segredos que escondem.
Varoufakis, o homem que se recusou a tornar um "insider" dentro da opaca UE, criou um movimento DIEM25, o movimento que quer de forma horizontal na área geográfica da Europa,deitar-lhe o conteúdo de voltar a deixar entrar a democracia e a transparência dentro da sua própria casa,de onde foram expulsas.
Yanis Varoufakis terminou falando do acrónimo que criou contrapondo-o ao acrónimo TINA da UE (There Is No Alternative - que tanto ouvimos dos nossos políticos ).
TATIANA (Tough Astonishingly There Is An Alternative).
Há um provérbio africano que reza simplesmente : quando todas as teias se juntam podem amarrar um leão.
As aranhas da Europa, berço da democracia, de Medusa- se quisermos- podemos renascer Tatiana´s.
Da conferência, com o mundo virado ao contrário, fora do eixo, com a Europa a desintegrar-se, saí inspirada para ver o parto de uma Europa utópica e não distópica como a que vivemos. As parteiras estão a juntar-se.
A conferência demorou duas horas e meia e a minha capacidade de síntese tornou-se opaca. As minhas desculpas pela extensão do artigo.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Juntos nos elevamos, sozinhos desaparecemos


Quando nascemos a primeira coisa que fazemos é inspirar oxigénio profundamente e gritar com o susto que nos impõe. Rapidamente perdemos a memória desse primeiro momento avassalador de uma vida fora do útero. Tiraram-nos do único lugar seguro, escuro, onde a vida é apenas paz e decorre sem sobressaltos. Queremos para esse lugar voltar de cada vez que a morte de alguém que amamos nos toca, quando a rejeição nos persegue, quando a solidão nos deixa desarmados, quando a força nos foge, quando a segurança está ameaçada. Depois...
Vou dizer um cliché das lições que tenho aprendido, o homem nasceu para viver em tribo. Em nome de segurança, força, e sobrevivência. Sozinho, atirado aos elementos da natureza e aos elementos contra natura sobreviverá pouco, ou morrerá por dentro, ou tornar-se-à um louco criativo desligado do grupo e funcionará apenas para a sua própria sobrevivência numa morte lenta e dolorosa.
Observando a vida de uma cidade frenética abano a cabeça parabenizando os génios da criação da vida pós-útero.
Foi de génio a ideia de desligar as pessoas umas das outras desligando-as também dos elementos naturais, desligando-as e separando-as das famílias por razões de trabalho (em altíssima intensidade), estudos -alguns sem finalidades construtivas ou reais-, dinheiro, dívidas, tudo isto em nome da veneração à máquina de consumo, propaganda e poder. Muitos ficam loucos, perdem a criatividade, não têm a força do outro nem encontram segurança, ambas necessárias para a sobrevivência. Perecem simplesmente. Quando o ser humano finalmente consegue parar para descansar e aproveitar, está exausto. E morre. Enquanto tudo isto ocorre uns poucos vão destruindo o único lugar conhecido com o oxigénio que inspiramos para existir. Tal ideia é de génio.
Foi genial impôr sistemas educativos formatados, obrigatórios, iguais para todos. Todos entramos diferentes e acabamos a pensar num modelo igual e se sairmos do esquema-a caixa-somos obliterados pela máquina montada e, completamente ostracizados. Este modelo da solidão não é suportável para o ser humano por isso acatamos serenamente. Sabemos intuitivamente que nascemos para viver em tribo.
Tornamo-nos passivos, agressivos e apáticos. Fáceis de manobrar. Ideia genial.
Foi genial criar hierarquias e grupos de poder. Os privilegiados e os outros. As elites e os outros. Morte sem viver e viver para ver chegar a morte é o único destino no caminho dos outros pensaram os génios.
Os génios por esta hora riem-se felizes e deixam os outros atarefados com as suas provas olímpicas de sobrevivência, entre algum entretenimento e veneração nos lugares de culto e adoração criados por outros génios. Absolutamente genial.
Como me lembrou um filósofo, cada vez tenho mais "bícepes e mais pancêpes" e graças à lei da gravidade tudo o que posso fazer é desabafar trivialidades sobre esta experiência, para o papel. Tudo começa a apontar para baixo.
Lamento que não se concretize a ideia genial de Woody Allen para a vida, que não nos deixa ser felizes começando velhos, evoluindo para jovens e acabando num orgasmo.
Admiro a vida. Essa corajosa malandra que diz que no final destes jogos de poder vou ganhar uma medalha por ter tentado ser enquanto vejo. Ver o caminho que faço entre nascer e morrer e nele ser.
Na hora de nos despedirmos é nisso que todos vamos pensar. Quem somos, quem fomos em relação às tribos que pertencemos. O que elas significam para nós e como nos conseguimos elevar por causa deles. O que significamos para eles.
E essa é a única genialidade que me ocorre para combater os tais outros génios que inventaram a separação entre os seres humanos.
Só quero sair de cá sem nunca cortar o cordão umbilical com as minhas tribos, para ser uma com elas e me elevar no momento de expirar.
Ubuntu!

domingo, 5 de junho de 2016

Entre circo e crimes ninguém escapa


O editor do site para onde escrevo Noticias On Line, Jacinto Furtado, pediu-me para escrever sobre o acontecido com uma taróloga da SIC, Carla Duarte, que faz leituras com chamadas de valor acrescentado (a negociata das negociatas), e que aconselhou uma vitima de maus tratos a dar mimo e amor ao marido. Os Deuses devem estar loucos pensei. E escrevi. Fica aqui o meu testemunho com o link ao site onde podem acompanhar o que vou escrevendo. Obrigada

terça-feira, 24 de maio de 2016

Alerta amarelo vindo da escola pública vs escola privada

Juro que me é penoso assistir a esta morte anunciada da mama sem leite para os colégios ligados à máquina do Estado. E ver gente nos últimos estertores da morte a marchar contra os canhões assiste-me de imediato a vergonha alheia. Razão tinha alguém que dizia que somos subsídio- dependentes. Acaba-se a heroína e ficam à toa. 
Milhares, milhares de gente que teve de se exilar emigrando comendo o pão amassado pelo diabo por falta de trabalho no país, vivendo longe do que mais lhes é precioso, gente que não tem como concluir estudos na Universidade pública por falta de dinheiro para as propinas, gente que não consegue dar uma refeição digna aos seus filhos por conta de um neo-liberalismo que nos torna cada dia mais vulneráveis, dependentes e pobres(sobretudo em espírito) gente que paga impostos brutais vendo-lhes cortados os serviços públicos e vêem estes c@r@lhos vestidos de cor de caca de pinto pedir dinheiro a todos os cidadãos (o Estado) para pagar a escola privada dos filhos? 
Já chega!
Eu paguei a educação privada do meu quando tinha guito sem pedir apoios. E paguei as minhas propinas na minha Universidade Pública. Até deixar de ter dinheiro. Quando se acabou desisti dela. Até nova oportunidade. 
No entanto com os impostos que pago nunca deixei de pagar os colégios privados.
Onde anda a justiça disto? Chega!
Esta gente não levanta o cu para lutar por uma escola pública universal e gratuita a pensar no colectivo. 
Mas vestem-se de amarelo e marcham para exigir que eu lhes continue a pagar as mordomias que eles escolhem mas não podem pagar do seu próprio bolso? a sério? 
E querem que os filhos sigam estes exemplos de trogloditismo!
Ó evolução que voltaste para trás...
Esta santa aliança amarela-encardida (cheira a Igreja com a direita) que querem tudo privatizado mas fino a un certo punto (se lhes tocam os interesses ai ai ai) lembrou-me Saramago. 
No geral é o que penso sobre o neo-liberalismo que nos engole trucidando.

A conselheira desta gente é a falta de vergonha e a estupidez.
Que por sorte ainda não são um direito humano nem se aprende na escola pública ou nós que a frequentámos estávamos todos fodidos.


Gosto
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terça-feira, 10 de maio de 2016

Entender "o neoliberalismo para além dos clichés"

Do fogo à roda, às pinturas rupestres, à escrita, à electricidade, ao Homem no Espaço até ao dinheiro, homens e mulheres usaram a sua capacidade criativa, intuitiva e de pensamento colocando-as ao serviço da Humanidade e da sua evolução. 
Buscando soluções que trouxessem bem-estar incluindo a filosofia até às ciências sociais. Homens pensaram o comunismo, o fascismo, o socialismo até chegarmos ao capitalismo e ao neoliberalismo. 
Duas Guerras mundiais por interesses económicos e de poder, muitas guerras permanentes ao longo de séculos e a História vai-se escrevendo connosco. 
Precisamos entender como chegámos ao presente para pensar no que fazer de novo para vivermos com dignidade amanhã. 
O Rendimento Básico Incondicional a ser testado nalgumas cidades e a querer estender-se aos países pode ser o novo fogo, a nova roda, a nova Economia. 
Proponho a leitura do artigo que vos deixo. Este artigo é uma verdadeira lição Histórica sobre o neoliberalismo. 
Para quem é a favor e para quem como eu se situa nos antípodas deste teatro anti democrático, como o são os que pensam e discutem o RBI.
Assombrem-se.

domingo, 31 de janeiro de 2016

Between People

Vou contar uma história. De um encontro. Não é um twitter. Tem mais de 140 caracteres. Se puderem leiam. Mas mais que isso, vistam-se da pele destas pessoas. Pensem na existência. A vossa e sobre a cultura. Exactamente aquele terreno onde se atiram sementes e um dia...nascem belas árvores com raízes fortes e seguras. A olhar para o horizonte sem fim. Os vossos filhos.

Venho de um encontro cultural onde se fazia um olhar sobre a existência. Entre dois, que somos cada um, o pai e a mãe. Pelo menos. Entre pessoas. Entre culturas diversas. Porque somos dois, somos muitos, entre culturas, em cada existência.
Uma convidada especial, uma senhora escritora senegalesa a viver desde sempre em Bruxelas. Encantei-me com ela. De uma sensibilidade rara e poesia tanto nas palavras quanto nas histórias. Uma delicadeza e sabedoria que se adquire com as experiências de vida. Ficámos de nos reencontrar porque percebemos que a nossa conversa vai demorar a escrever-se. Tem muitos versos, em capítulos por concluir.

O assunto era a diversidade e as comunidades que vivem na Bélgica, de várias origens, que estão a conhecer África, parte integrante da sua cultura e origens. Com escritores entre vários outros artistas,jornalistas e tantas outras formas de existir e idades. Debateu-se o racismo, claro. Os vários tipos de discriminação. O que devemos fazer para conviver em paz e sermos melhores seres humanos com as nossas diferenças. Buscando conhecimento é uma das chaves, uma das razões do debate.
A minha intervenção debruçou-se um pouco na História do Continente Africano, de como foi repartido no final da I GM por interesses estratégicos, do colonialismo, da escravatura e da separação que aí começou. E da minha própria existência, das lutas contra a discriminação e das questões que já tive sobre quem sou.
Na sala entre várias nacionalidades era a única filha de um filho de um regime colonial que se revoltou contra o colonialismo e o fascismo em vigor, e a única que absorveu várias culturas e se sentia confortável com o facto de ser várias existências. Nem sempre foi assim. Porém de certa forma ultrapassei há alguns anos as questões que se levantavam ali.
Não porque os outros não se sintam confortáveis com as suas peles, mas porque ao ouvi-los um por um a questionar se devem saber mais sobre as suas origens e o distanciamento que alguns trazem delas, se são mais africanos ou mais europeus, disse-lhes que olhando para cada um deles me via tão diferente no entanto era um reflexo de cada um.
Somos nós como foi dito por um artista plástico branco de origem marroquina e judia. Contou ele que quando alguém o tenta colocar uns degraus abaixo da sua condição de igual, ele começa a resposta com um simples: "nós" colocando-se de imediato no lugar do outro como se ele próprio fosse racista esbatendo de imediato as diferenças que insistam em ter...
Naturalmente que precisei de contextualizar a contemporaneidade do tema.
Algures lá atrás na história humana sem qualquer humanidade-está cientificamente provado por provas dadas, que adoramos sangue, pela nossa genial e permanente arte de fazer guerra- decidiram que nós somos diferentes.
Para nos dividirem com rótulos como os tupperwares que colocamos no congelador: caril de galinha, falafel, cozido à portuguesa, sopa de legumes, cachupa d´atum, bóbó de camarão ou pratos congoleses, senegaleses e nigerianos.
Caixas iguais e conteúdos diferentes por isso colocamos rótulos. Necessários ou não.
No caso da História Humana não são apenas desnecessários como abusivos e incitadores de violência: somos o mesmo conteúdo em embalagens diferentes.
Usamos um veículo para as nossas viagens por aqui e esse veículo pode ser um ford, renault, fiat, bentley, tuk-tuk, bicicletas(as kardashians e o ronaldo usam ferrari). Quem guia tem o mesmo código genético.
Não precisamos de rótulos, mas precisam que os tenhamos para nos separarem, quando nós somos todos exactamente pequenos pedaços extraordinários da mesma unidade. Não estamos separados em nada.
Enquanto estivermos entretidos a fazer guerra uns contra os outros, os que criaram os rótulos e, os mantêm vivos, vivem extraordinariamente ricos e felizes.
Eu diria extraordinariamente infelizes porque lhes falta o sal. A massa deles talhou. E eu sinto pena dessa gente que é tão carente que nem Freud os iria conseguir entender.
Este filme que me continua a chocar chama-se racismo/discriminação:
-Contra pretos, brancos, indianos, hispânicos, árabes, gays e lésbicas, judeus, homens, mulheres, quantos mais rótulos houver maior as divisões, mais guerras, mais alargada é a base da manipulação, mais interesses obscuros se desenvolvem.
Inevitavelmente temos de continuar a falar do assunto diversidade que traz o racismo acoplado, para o conhecermos e erradicarmos.
Como a esquerda, direita,centro, divisões políticas contemporâneas. Mais uma vez o uso de rótulos para dividir.
Existe separação versus união. O papel da minha geração e das futuras é contrariar este caminho. Consciencializando-nos por seguir o caminho do "nós".
Este foi o meu testemunho. Há sempre alguém que lê e que se reflecte ou que ganha com ele.
Como eu ganhei hoje ao conhecer os olhares das existências de Congoleses, Nigerianos, Senegaleses, Marroquinos, Holandeses, Belgas e outros. Cada um com uma história bela. De dor, discriminação, falhanço, sofrimento, alegria, sucesso. Iguais a todos "nós".
"Between People" foi a musica (lindíssima) de músicos do Benin, que abriu o debate.
São também estes momentos que enriquecem a minha vida. Nestes domingos especiais.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Um pouco de África...

Há 132 anos África era dividida, numa conferência, a régua e esquadro, por ocidentais que mal a conheciam.
O Continente com nome de mulher e cobiçada por tantos homens. Os que vêm de fora e os seus filhos. Ofereceu-se porque nada lhe falta. Toda a sua riqueza está à mão de colher. Dá-se a quem a quer semear e dela viver.
É um passado que se faz presente.
Não é prostituta porque não se vende. Mas como uma escrava venderam-na, usaram-na, sujaram-na a belo prazer de um vício como a usura e a ganância ilimitada como se de sexo obsessivo e cego se tratasse. Porque ela deixa assim quem nela coloca o olhar. Obsessivos e cegos. Com uma compulsão para ficar ou para voltar.
Mas ela continua a ser docemente feminina e matriarca, oferecendo o seu regaço rico de bens maiores que os materiais e os seus seios perenes onde tantas crianças, homens e mulheres se alimentam desde o início dos tempos.
Direi que 99% da tribuU alargada aqui nesta rede vem, está, viveu, nasceu em África. Ou então cheirou e bebe África, deita-se com o continente que abraça todos, bebeu a sua água, nadou nos seus rios e oceanos, lambuzou-se de mangas e papaias nas suas areias, comeu os seus frutos do mar.
Como uma tatuagem a marca fica indelével na pele, na mente, na memória, no coração, na alma. E no espírito que vem dos nossos antepassados que nos lembram de onde viemos.
Se eu fosse poeta escrever-lhe-ia, a esse continente amado, a essa mulher de corpo belo e cheio, um sem fim de poesia tão grande quanto a sua extensão, tão bela quanto as suas terras, tão doce quanto as suas frutas, tão quente quanto o calor dos seus verões, tão fresca e colorida quanto a sua diversidade.
Honra-me esse pedaço de terra, num pequeno pedaço onde enterraram o meu umbigo, nesse continente onde nasci, onde vivi, onde chorei, onde perdi, onde semeei, esperei e colhi, onde ganhei e fui feliz.
Onde irei voltar, onde irei morrer e honrar o sangue dos meus ancestrais.
Conhecer um pouco mais da sua tão pouco conhecida História, tão vasta e curva quanto o seu corpo, é descer pelas minhas raízes até ao profundo âmago e conhecer-me também.
Obrigada terra mãe por tudo o que me deste e continuas a oferecer. Eu só , quero dar-te a conhecer.



Uma história minha com o Mestre Malangatana


-Mestre preciso de um favor teu, aliás dois...fiquei a olhar para a pintura que estava quase a terminar. Ele estava de pé na larga varanda da sua casa. Sentei-me nos degraus que davam para o jardim.
O calor apertava os sentidos, as mangas deixavam-se amadurecer e enchiam o ar de perfume adocicado que abria o apetite. Nem uma folha se movia. Havia quadros a óleo, serigrafias, quadros, quadros, quadros enormes, por todo o lado, até nas escadas, como eu nunca tinha visto.
-Senta-te que eu ainda vou demorar. Tens tempo?
Ele sabia que aquela era uma pergunta sem resposta. De todas as vezes que ia à sua casa não levava tempo. Ia com o tempo e ficava nas mãos do tempo. E dele. Nunca tinha estado com nenhum pintor. Vê-lo pintar era uma bênção e um descanso para mim. Transportava-me.
-Queres chá ou sumo?
Pediu sumo para os dois e ali fiquei a jogar conversa fora enquanto ele me ouvia e pintava.
-Só não gosto das caras feias que pintas. Assustam-me como se eu fosse uma criança.
-São os horrores da guerra Moçambicana, tu sabes! Foi assustador e é isso que digo nos seus olhares. Mas também pinto coisas bonitas.
Por exemplo quando viajo de avião faço desenhos para cada membro da tripulação e ofereço-lhes. Como forma de agradecimento por me terem tratado bem enquanto estava vivo.
Sabes, para mim, de cada vez que viajo de avião acho que vou morrer e por isso faço os desenhos para lhes oferecer.
-Mestre, se morrer num acidente de avião acho que ninguém se safa... Mas pelo menos a tripulação morre com um desenho seu. Eu vou depois procurá-los...
Rimo-nos ambos.
Tivemos esta conversa uns bons anos antes dele morrer faz hoje cinco anos. Tivemos muitas mais porque eu adorava visitá-lo e ficar naquela varanda a vê-lo pintar. Eram das minhas escapadas preferidas em Moçambique no longínquo ano de 2001.
Os favores que lhe fui pedir ele fez, como sempre fazia quando alguém lhe pedia alguma coisa.
Nesse dia fui pedir-lhe para vir comigo a uma palestra que eu iria dar a falar sobre voluntariado, na promoção do Ano Internacional do Voluntário e ele seria o meu convidado de honra.
Perguntou-me sobre o que eu gostaria que ele falasse e não resisti:
-Mestre gostaria que viesses contar histórias (Karingana) de escravos.
-Dos que foram de Moçambique trabalhar para as roças de São Tomé queres? perguntou-me ele
Ele estava sempre a contar-me histórias de uma beleza triste como as suas pinturas.
E assim foi. Aquele foi um dos dias mais especiais da minha vida e do meu trabalho para os Voluntários das Nações Unidas. Contou histórias, cantou, dançou e como era costume, encantou.
O segundo favor?
Foi pintar a maior e mais bonita tela que já vi até hoje. E de novo ele acedeu.
-Quero que seja muito colorida e alegre disse eu quase a implorar.
-Diz-me que cores queres e vais ter!
Fizemos uma lista de cores e parecia uma criança na África do Sul a comprar as cores que juntos tínhamos escolhido.
Levei a tela para ser admirada na Suiça na conferência internacional dos voluntários. A tela foi oferecida aos voluntários moçambicanos.
De uma beleza sem par. Sem preço.
-Tens de fazer aqui a tua assinatura disse-me o Mestre.
E eu fiz, dei umas pinceladas de azul e amarelo ao lado das dele.
O Mestre Malangatana era um dos maiores voluntários e activistas que eu conheci. Por diversas causas.
Com ele muito aprendi. Na varanda da sua casa a beber sumo, onde tantas vezes fui pedir um favor qualquer, só conversar, ou em tantos outros lugares que estivemos juntos ou a ouvi-lo contar histórias. Teria tido também, uma carreira brilhante como contador de histórias.
Uma qualidade especial?
Era um homem que verdadeiramente se empenhava para dar aos outros mesmo quando já nada tinha porque tinha dado tudo. Eu sei, eu vi, eu conheci este seu lado e era às vezes de lágrimas os olhos que percebia o seu desespero por não ter. Era igual à das caras que pintava. Dos vencidos pelos horrores da guerra. Ele era vencido pelo horror da pobreza dos que o rodeavam. E por isso não podia parar de ajudar.
Mestre? Posso pedir-te um favor?
Nunca deixes de desenhar as caras felizes onde estás. Um dia vou-te visitar na tua varanda para jogarmos conversa fora e olhar para elas sem nenhum horror. Porque tu foste um ser verdadeiramente belo.

Onde estiveres é certamente um lugar colorido e bonito.
Kanimambo Mestre!


domingo, 3 de janeiro de 2016

"Filhos de um Deus menor"

Este texto é dedicado aos artistas meus amigos (muitos felizmente), em especial às artes do meu coração a escrita e a dança. Na minha curta viagem a Lisboa fiquei a saber de gente minha que luta num terreno de guerra e como um refugiado o quer deixar e descobrir um porto de abrigo seguro. Para salvar a sua vida.
Mas a vida não deveria ser assim. São talentosos nas suas áreas e nada mais pedem que viver na e da sua arte sem mendigar.
Mas Portugal considera-nos (incluo-me) os "filhos de um Deus menor", quando se quisermos ver Deus, é na arte na qual nos exprimimos que encontramos Deus. Na arte é ele próprio e as artes são os seus filhos. Como na Natureza que matamos estamos a matar as expressões maiores de arte divina. Seja lá quem for Deus e mesmo nem acreditando nele.
Os artistas nada têm de menor. Muitos destroem a sua arte, transformam-na num filho menor porque dela não podem viver.
Para onde vamos? Queremos apenas trabalhar desenfreadamente para viver e viver para trabalhar desenfreadamente?
Inquieta-me e aflige-me que os artistas, os filhos maiores da arte, porque criam, não podem viver da sua arte nem para a sua arte sem morrer de fome, sem se vender, sem ter de "cair na realidade", sem ter um chapéu de protecção, uma cunha, ou alguém que o mercantilize. Se eu quiser trazer o meu livro para a luz tenho não apenas de ser o escritor, mas o revisor, o editor, o promotor/vendedor em todo o lado. E isso inquieta-me porque não sei ser as outras coisas para além de escritora.
E o livro?...fica nas prateleiras, esquecido de e por todos. Esquecidos estão quase todos os outros artistas de quase todas as artes.
Sem arte e sem cultura não há sementes de futuro que germinem.Portugal tem bons fertilizantes mas o seu útero está seco.
Alguém consegue imaginar-se a viver sem o fascínio, a alegria, os mistérios da musica, da dança, da pintura, da poesia, das histórias em livros, num palco, num cinema? Imagino que não, porque somos todos feitos da mesma massa. Merecemos muito mais.
O melhor da vida está nas artes. Então aflijam-se e inquietem-se comigo por todos os artistas porque são eles os criadores, os dadores do sangue universal. Do que a vida tem de maior.
"Filhos de um Deus menor"
Era uma vez um artista que fazia arte com o coração por isso o chamavam He-art-ist. Na arte aprendia a paz. No seu colo se deita a observar o oásis que respira. Na arte requebra-se e dança até ficar sem fôlego. Até perder a tenda, o camelo, a bebedeira. A arte engole sôfrego. O que a vida lhe traz. Com a lua por céu faz de equilibrista, sem rede de salvação para o artista. Desabituado de protecção, o artista despe-se, com a arte faz o seu traje, a sua canção. Na arte, aprende a ser um colibri lançando-se de asas abertas em voo, largando braços que o fecham, em busca de beijos de baunilha que em liberdade o fortaleçam. Na arte amadurecem, ao continuar sem entender os mistérios, os milagres, em asas de aço crescem. Fazem da arte a arte de viver, mesmo quando o olhar de lágrimas se cobre e se torna turvo.
O artista é ele próprio, mesmo quando não sabe quem é. Descubro que também tenho coração de artista e a arte no coração.
Sonhamos ser exclusivamente da arte, por ela possuídos, nela amados. Mas tantos são os traídos, os rejeitados, os ignorados e até os vendidos.
Pudera ser casada apenas com a minha arte...para no sono que durmo, fazer como os artistas e criar todos os sonhos acordados.