-Mestre preciso de um favor teu, aliás dois...fiquei a olhar para a pintura que estava quase a terminar. Ele estava de pé na larga varanda da sua casa. Sentei-me nos degraus que davam para o jardim.
O calor apertava os sentidos, as mangas deixavam-se amadurecer e enchiam o ar de perfume adocicado que abria o apetite. Nem uma folha se movia. Havia quadros a óleo, serigrafias, quadros, quadros, quadros enormes, por todo o lado, até nas escadas, como eu nunca tinha visto.
-Senta-te que eu ainda vou demorar. Tens tempo?
Ele sabia que aquela era uma pergunta sem resposta. De todas as vezes que ia à sua casa não levava tempo. Ia com o tempo e ficava nas mãos do tempo. E dele. Nunca tinha estado com nenhum pintor. Vê-lo pintar era uma bênção e um descanso para mim. Transportava-me.
-Queres chá ou sumo?
Pediu sumo para os dois e ali fiquei a jogar conversa fora enquanto ele me ouvia e pintava.
-Só não gosto das caras feias que pintas. Assustam-me como se eu fosse uma criança.
-São os horrores da guerra Moçambicana, tu sabes! Foi assustador e é isso que digo nos seus olhares. Mas também pinto coisas bonitas.
Por exemplo quando viajo de avião faço desenhos para cada membro da tripulação e ofereço-lhes. Como forma de agradecimento por me terem tratado bem enquanto estava vivo.
Sabes, para mim, de cada vez que viajo de avião acho que vou morrer e por isso faço os desenhos para lhes oferecer.
-Mestre, se morrer num acidente de avião acho que ninguém se safa... Mas pelo menos a tripulação morre com um desenho seu. Eu vou depois procurá-los...
Rimo-nos ambos.
-Senta-te que eu ainda vou demorar. Tens tempo?
Ele sabia que aquela era uma pergunta sem resposta. De todas as vezes que ia à sua casa não levava tempo. Ia com o tempo e ficava nas mãos do tempo. E dele. Nunca tinha estado com nenhum pintor. Vê-lo pintar era uma bênção e um descanso para mim. Transportava-me.
-Queres chá ou sumo?
Pediu sumo para os dois e ali fiquei a jogar conversa fora enquanto ele me ouvia e pintava.
-Só não gosto das caras feias que pintas. Assustam-me como se eu fosse uma criança.
-São os horrores da guerra Moçambicana, tu sabes! Foi assustador e é isso que digo nos seus olhares. Mas também pinto coisas bonitas.
Por exemplo quando viajo de avião faço desenhos para cada membro da tripulação e ofereço-lhes. Como forma de agradecimento por me terem tratado bem enquanto estava vivo.
Sabes, para mim, de cada vez que viajo de avião acho que vou morrer e por isso faço os desenhos para lhes oferecer.
-Mestre, se morrer num acidente de avião acho que ninguém se safa... Mas pelo menos a tripulação morre com um desenho seu. Eu vou depois procurá-los...
Rimo-nos ambos.
Tivemos esta conversa uns bons anos antes dele morrer faz hoje cinco anos. Tivemos muitas mais porque eu adorava visitá-lo e ficar naquela varanda a vê-lo pintar. Eram das minhas escapadas preferidas em Moçambique no longínquo ano de 2001.
Os favores que lhe fui pedir ele fez, como sempre fazia quando alguém lhe pedia alguma coisa.
Nesse dia fui pedir-lhe para vir comigo a uma palestra que eu iria dar a falar sobre voluntariado, na promoção do Ano Internacional do Voluntário e ele seria o meu convidado de honra.
Perguntou-me sobre o que eu gostaria que ele falasse e não resisti:
-Mestre gostaria que viesses contar histórias (Karingana) de escravos.
-Dos que foram de Moçambique trabalhar para as roças de São Tomé queres? perguntou-me ele
Ele estava sempre a contar-me histórias de uma beleza triste como as suas pinturas.
E assim foi. Aquele foi um dos dias mais especiais da minha vida e do meu trabalho para os Voluntários das Nações Unidas. Contou histórias, cantou, dançou e como era costume, encantou.
O segundo favor?
Foi pintar a maior e mais bonita tela que já vi até hoje. E de novo ele acedeu.
-Quero que seja muito colorida e alegre disse eu quase a implorar.
-Diz-me que cores queres e vais ter!
Fizemos uma lista de cores e parecia uma criança na África do Sul a comprar as cores que juntos tínhamos escolhido.
Levei a tela para ser admirada na Suiça na conferência internacional dos voluntários. A tela foi oferecida aos voluntários moçambicanos.
De uma beleza sem par. Sem preço.
-Tens de fazer aqui a tua assinatura disse-me o Mestre.
E eu fiz, dei umas pinceladas de azul e amarelo ao lado das dele.
O Mestre Malangatana era um dos maiores voluntários e activistas que eu conheci. Por diversas causas.
Com ele muito aprendi. Na varanda da sua casa a beber sumo, onde tantas vezes fui pedir um favor qualquer, só conversar, ou em tantos outros lugares que estivemos juntos ou a ouvi-lo contar histórias. Teria tido também, uma carreira brilhante como contador de histórias.
Uma qualidade especial?
Era um homem que verdadeiramente se empenhava para dar aos outros mesmo quando já nada tinha porque tinha dado tudo. Eu sei, eu vi, eu conheci este seu lado e era às vezes de lágrimas os olhos que percebia o seu desespero por não ter. Era igual à das caras que pintava. Dos vencidos pelos horrores da guerra. Ele era vencido pelo horror da pobreza dos que o rodeavam. E por isso não podia parar de ajudar.
Os favores que lhe fui pedir ele fez, como sempre fazia quando alguém lhe pedia alguma coisa.
Nesse dia fui pedir-lhe para vir comigo a uma palestra que eu iria dar a falar sobre voluntariado, na promoção do Ano Internacional do Voluntário e ele seria o meu convidado de honra.
Perguntou-me sobre o que eu gostaria que ele falasse e não resisti:
-Mestre gostaria que viesses contar histórias (Karingana) de escravos.
-Dos que foram de Moçambique trabalhar para as roças de São Tomé queres? perguntou-me ele
Ele estava sempre a contar-me histórias de uma beleza triste como as suas pinturas.
E assim foi. Aquele foi um dos dias mais especiais da minha vida e do meu trabalho para os Voluntários das Nações Unidas. Contou histórias, cantou, dançou e como era costume, encantou.
O segundo favor?
Foi pintar a maior e mais bonita tela que já vi até hoje. E de novo ele acedeu.
-Quero que seja muito colorida e alegre disse eu quase a implorar.
-Diz-me que cores queres e vais ter!
Fizemos uma lista de cores e parecia uma criança na África do Sul a comprar as cores que juntos tínhamos escolhido.
Levei a tela para ser admirada na Suiça na conferência internacional dos voluntários. A tela foi oferecida aos voluntários moçambicanos.
De uma beleza sem par. Sem preço.
-Tens de fazer aqui a tua assinatura disse-me o Mestre.
E eu fiz, dei umas pinceladas de azul e amarelo ao lado das dele.
O Mestre Malangatana era um dos maiores voluntários e activistas que eu conheci. Por diversas causas.
Com ele muito aprendi. Na varanda da sua casa a beber sumo, onde tantas vezes fui pedir um favor qualquer, só conversar, ou em tantos outros lugares que estivemos juntos ou a ouvi-lo contar histórias. Teria tido também, uma carreira brilhante como contador de histórias.
Uma qualidade especial?
Era um homem que verdadeiramente se empenhava para dar aos outros mesmo quando já nada tinha porque tinha dado tudo. Eu sei, eu vi, eu conheci este seu lado e era às vezes de lágrimas os olhos que percebia o seu desespero por não ter. Era igual à das caras que pintava. Dos vencidos pelos horrores da guerra. Ele era vencido pelo horror da pobreza dos que o rodeavam. E por isso não podia parar de ajudar.
Mestre? Posso pedir-te um favor?
Nunca deixes de desenhar as caras felizes onde estás. Um dia vou-te visitar na tua varanda para jogarmos conversa fora e olhar para elas sem nenhum horror. Porque tu foste um ser verdadeiramente belo.
Nunca deixes de desenhar as caras felizes onde estás. Um dia vou-te visitar na tua varanda para jogarmos conversa fora e olhar para elas sem nenhum horror. Porque tu foste um ser verdadeiramente belo.
Onde estiveres é certamente um lugar colorido e bonito.
Kanimambo Mestre!
Sem comentários:
Enviar um comentário