quarta-feira, 31 de julho de 2013

Mulher africana, (31 de Julho dia da mulher africana)

“Disse a flor para o pequeno príncipe: é preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas” Saint Exupéry
As larvas habitam o coração da mulher africana, transmutam-se em borboletas, e, alimentam-se do pólen dos seus corações.
Mereces tantas palavras de reconhecimento. És a verdadeira borboleta, com diferentes metamorfoses ao longo da vida.
São crianças mãe, são mulheres crianças, crianças mulheres. As crianças que envelhecem, as velhas que de meninas nunca deixam de o ser.
Carregas fardos pesados nas costas, fardos leves no ventre, fardos tristes na alma, fardos cansados na cabeça. Mas quase sempre fardos.
São o todo e o infinito em África. As mulheres em África.
Por causa delas, eles ficaram leves. 
A vida torna-se pesada nas guerras, porque lhes deita o sangue na terra e este alimenta as sementes.
Mas os frutos foram e são ainda hoje e até hoje, tratados e colhidos por elas.
Por ela e com ela, África renasce cada dia, com o sol, e adormece com a lua. Incansável. E assim será. Até se encontrar com a mãe que lhe dá a luz.
És serena, paciente, doce, altruísta. Ainda hoje abusada, violentada, excisada. Mas leve, no ser. Sem ti, o continente estaria ferido de morte. Em agonia.
Serão sempre poucas as palavras, as homenagens e os carinhos que te podemos oferecer. És filha da vida, ofereces a vida, para o resto da vida.
Deste continente tão meu, esta mulher tão sábia que se empresta para voltar sempre, eternamente, a se encontrar. A nos encontrar. A dar a sua vida. A me ensinar a ser mulher.
De um homem que sabe transformar palavras, em amor,pelas mulheres: Mia Couto

“Sob o céu africano volto a ser mulher. Terra, vida, água são do meu sexo. O céu, não, o céu é masculino. Sinto que o céu me toca com todos os seus dedos."

Sinto que hoje e sempre, sou composta no meu sexo, desta terra,desta água e tocada por este céu. Diariamente e para a eternidade, nunca quis ser de outro sexo,nem de mais nenhum outro continente, como tu, mulher africana.



terça-feira, 23 de julho de 2013

Para deixarmos obra como epitáfio

“Conheço muitos que não puderam quando deviam. 
Porque não quiseram quando podiam, Rabelais”

Numa pausa para um cigarro, ela, a escrava, fez uma reflexão sobre ética e moral e um dia as regras do jogo mudaram... 

Eu, hoje escrava de outros donos, faço também uma pausa, para um cigarro, com mais químicos, mas a reflectir sobre os costumes, comportamentos e ética, ontem como hoje, tão semelhantes na sua falta.

Na esperança que um dia mudem também as regras do jogo.

Deixámos de ter apenas uma visão sobre a vida cartesiana/newtoniana/materialista, assente no princípio de que o que não podemos ver nem tocar, não existe.


A terra já não é mais plana. Gates ou Jobs não foram queimados em fogueiras quando apresentaram ideias inovadoras e revolucionárias.

Na parábola da alegoria da caverna de Platão, as imagens na parede eram a representação do mundo fora da mesma.

Hoje importa sair da caverna, libertando a mente, desconstruindo e descodificando o matrix que nos é apresentado, pelos interesses em criar estereótipos e em levar-nos à cegueira.

Sobretudo à cegueira do pensamento e da reflexão. Importa passar do papel passivo e de simples recipientes de conteúdos, para agentes activos de reflexão e acção.

Nas palavras do sociólogo Manuel Castells, e perante a insignificância do que somos,

“A forma como pensamos determina o que fazemos”,
“A manipulação das mentes é muito mais eficaz do que a tortura dos corpos”,
Nos grupos, “os projectos individuais passam a ser projectos colectivos”,

Para deixarmos de vez a caverna, deixarmos de vez o modo adormecido, ou o modo avestruz em que nos encontramos globalmente, apesar das pequenas manifestações de rebelião, precisamos acompanhar o movimento ininterrupto da terra, não deixando de alimentar a reflexão sobre o que nos rodeia e, agir de acordo com a ética e a moral.

Não agir apenas como o reflexo do que nos é apresentado, mas do que cada um constrói para si, que sirva também os outros.
Acredito que nada do que temos nos pertence. Acredito que tudo nos é emprestado: o corpo que vestimos e que cumpre as obrigações da alma, o planeta que habitamos, os filhos que geramos.

Quando o jogo acabar seguimos todo o mesmo caminho para o lugar que todos desconhecemos.
Como diz o filósofo brasileiro Mário Cortella “não nascemos prontos”, vamo-nos construindo. Hoje somos a versão melhorada do que formos fazendo connosco. Alguns…

É na ética, que se articula com as demais ciências, que encontramos o espaço para reflectir e compreender essa realidade como indivíduos e como grupos, tendo por base o homem, no processo da sua construção, através das suas práticas, ou moral.

Este é o objecto da Ética, reflectir sobre as acções humanas e, os seus fundamentos ou normas universais que medeiam os comportamentos entre os homens.

Desta dialéctica nasce a lei que regula a liberdade individual no confronto com a colectiva, com o objectivo de estabelecer a segurança e o respeito pelo indivíduo. É objecto da ética reflectir sobre o objectivo da vida humana.

“Medi-mo-nos verdadeiramente com os demais quando agimos”, como bem lembrou Goethe, que é o que se designa por moral.

O objectivo da vida humana é ser feliz, é objecto da ética compreender quem é o homem, o que o faz feliz, quais os comportamentos que o levam à felicidade, tendo em conta que o ser humano é composto por emoções, sentimentos e conflitos entre os mesmos, daí a ética poder resultar num verdadeiro inferno de reflexão.

Desta forma, reflectir, compreender, perceber o homem na sua realidade, interpretá-la e problematizá-la, o objecto da ética, é também mediar os conflitos.

A ética não distingue épocas históricas, nem momentos. É simplesmente aquela que é, prima por aquilo que deve ser o princípio do viver em comunhão em qualquer época ou circunstância.
Ou se é ético ou não se é. Procurando levar cada indivíduo a, respeitá-la, deixando-se guiar, inspirando-se e integrando os mesmos princípios.
Costume, é de onde deriva a palavra ethos, do grego, e êthos, vem de morada habitual.
Indica-nos simplesmente que as moradas onde residem os costumes, são sagrados e inquestionáveis, pertencentes a toda a humanidade como um só.

Na sociedade moderna os conflitos entre ética, moral e costumes, são cada vez mais, um sintoma da doença profunda em que o homem se encerrou. E dever-nos-ia obrigar a cada dia que passa, questionar a caverna onde vivemos.

Deixe-mo-nos em cada morada, com os ethos universais guiar pelos princípios éticos sagrados, com comportamentos morais que se pautem pelo princípio da harmonia e da felicidade, fim único da humanidade.

Para "deixarmos essa obra como epitáfio".

Mário Cortella sobre ética e moral no programa do Jô Soares
http://www.youtube.com/watch?v=LK91Ut7jJIM



domingo, 21 de julho de 2013

Sobre as peúgas brancas…


Gostos não se discutem…educam-se: rótulos e ditaduras das tendências. 


Ouvi dizer que a educação também se faz acontecer no que diz respeito a gostos. Concordo!

Se pensar que o indivíduo é influenciado pelo meio ambiente familiar e social que o rodeia e, que o papel da educação é o de trazer à luz criadores e não repetidores, bem como, formar mentes capazes de criticar e experimentar, ao invés de aceitarem o que já foi inventado, tenho a resposta à afirmação contida no título que escolhi para falar sobre moda.

Que me faz chegar à moda da peúga branca, parte integrante de qualquer pé nos anos 80. Quem nunca usou que dispare a 1ªraquete…

Só de mencionar o facto fico com medo e alguns calafrios. Se acrescentarmos as raquetes uma por cima da outra em cruz, entro em pânico. Afinal também sou influenciada pela moda como qualquer mortal.

Eu e qualquer pessoa que um dia as usou agradecemos que um dia, um espirito criativo e crítico tenha “inventado” a tendência de fugir a esta aberração. E que tenha tido o bom senso de educar os gostos.

Tal como na música podemos educar os ouvidos, ou a alma para a literatura, assim como o pensamento para o intelecto, como por sorte eu fui educada por grandes professores, na moda podemos educar a sensibilidade, o bom senso e o olhar delicado.

E quem é que os educa? E quem determina se temos ou não educação nos gostos?

São as influências do meio que nos rodeia, familiar, de amigos, da escola, que nos molda e transforma. Mas também quem nós trazemos nos genes e que nos faz seres pensantes, críticos, inovadores ou seguidores. De gosto sensível, ou não.
Mas ser em aprendizagem, sempre.

Por isso também, não gosto destas 3 palavras quando se fala de moda: fora-de-moda. Um contra-senso, ou melhor uma contradição.
Quem é que determina o que está in ou out?

As tendências… o meio social: a publicidade, o marketing, as revistas e os senhores que criam as roupas determinam as chamadas tendências.

Tendencialmente vivemos num mundo de tendências. Algumas que vivem e morrem, na moda, à velocidade de um cometa. De uma estação para outra. Mesmo que o clima hoje, não defina mais as estações.

Talvez acompanhadas por decretos saídos de um “brainstorming” que quando é muitas vezes repetido se torna verdade!
E aceite. Mas nem todos vêm o mesmo que todos. Felizmente.

Por outro lado, felizmente alguém de gosto sensível determinou que a tendência da peúga branca devia morrer.

E obteve consenso da larga maioria, tirando o reduto de alguns emplastros irredutíveis nas suas aldeias onde ideias inovadoras não entram. 

A não ser os feirantes do costume, com a mercadoria de refugo que não se vende em mais nenhum armazém.
No mundo global, são números residuais.

Apesar de desprezadas também nos fardos/calamidades em África, ainda há quem as combine com calças de cetim cinzento e um sapato de verniz preto.

Como eu vi e precisei de ficar em posição de lótus, contar lentamente até 50, quase até levitar, para não cair abruptamente da cadeira.

Ou ceder à inquieta tentação de fazer alguma pedagogia sobre o gosto e tentar educá-lo.

Elas andam aí e é preciso cuidar para que um dia sejam extintas como o Tiranossauro Rex, permitindo apenas às sobreviventes, aparecimentos fugazes nas noites caseiras de inverno profundo, debaixo das mantas, para não serem vistas por olhos sensíveis.

Sem qualquer tendência tirana sobre a moda, claro…
A pensar apenas na educação dos gostos…

 Continuo a ser publicada aqui...: http://gosto-de-moda.blogspot.pt/

sexta-feira, 19 de julho de 2013

partilho porque é doce,

hoje dei por mim, no meio de um dia cansativo a falar sozinha e fui interpelada pelo amigo ao meu lado e que me acompanhava:

-"o que é que estás a dizer?"
-não me ligues, respondi, hoje não me recomendo, (como diz a canção do Rui Veloso), estou a falar comigo...conversas...
-retorquiu: "então és como a minha mãe...desde criança, a 20,30,50 metros,ouvíamos a sua voz a conversar e perguntávamos?

com quem conversas? e ela respondia invariavelmente:
converso comigo, conversas que não acabam nunca..."

fez-me sentir leve e tão igual a esta velha mulher africana,de vida cheia, mas de alma nunca anoitecida...

as minhas conversas comigo nunca acabam,
antes, navegamos no silêncio amoroso das nossas vozes cúmplices enquanto parimos a vida




as notas doces e cheias do Rui Veloso,


domingo, 14 de julho de 2013

Começar de novo

Um dia conheci um povo, vários povos, que na sua história têm muitos exemplos de indivíduos de enorme coragem, brilhantismo e bondade. 
Estes povos estão hoje em guerra e precisam de se defender. Somos vítimas.
Mas também temos que mostrar que herdámos os genes destes antepassados.
Temos que nos defender do caos, naturalmente sem rédeas, em que nos sentamos, totalmente desprotegidos. 
Para valer a pena amanhecer.

Orgulho-me de cada um que não deixa de despir os fatos com os factos que nos sujam colectiva e individualmente.
Que o fazem em nome do bem comum e da sobrevivência individual, ambas verdades e realidades insofismáveis e inseparáveis.
Porque mostram as roupas rasgadas e os bolsos sujos cerzidos nas peles dos predadores que hoje vestem a pele do poder.
Porque cada vez mais é complicado ter acesso às verdades veiculadas pelos meios de comunicação que por defeito estão em modo de manipulação.

Estamos enfraquecidos mas não derrotados e, como Einstein através da ciência constatou, “ os seres humanos não estão condenados, devido à sua constituição biológica, a exterminarem-se uns aos outros ou a ficarem à mercê de um destino cruel e auto-infligido”.

Escolhi uma canção que foi escrita e dedicada às vítimas de violência doméstica pelos que as deveriam amar.
Hoje dedico-a aos povos vitimas de violência doméstica que tal como estas, são vitimas dos seus carrascos.
Estes carrascos estão identificados por serem os que hoje fingem que fazem política, mascarados de políticos, desvirtuando e vulgarizando a nobre arte de fazer política e do uso do poder.
Porque são verdadeiramente pobres e nada mais conhecem. É deles o reino dos tristes.
Mas não vamos por causa deles “ganhar maus costumes” como já contra os nazis, outras vozes conscientes, se levantaram.

Dedico-a a todos os cantos do mundo, mas em especial aos que me tocam fundo.
Este onde estou, aquele que cresci e deixei, aquele onde nasci. Todos em guerras profundas para encontrar um caminho, a paz interna, uma vida em equilíbrio com a vida.

O desejo e o sonho de começar de novo é hoje mais forte que o desejo de se deixar ficar amarrado ao que já apodreceu.
Tenho apenas uma certeza que me vem do que já aprendi. De certeza que certamente um dia tudo mudará.
Por causa destes homens que hoje expõe no nu das nossas vidas, o nu em que se encontram as experiências de que somos alvo.

Troque-se os que autorizam, viajam pela vida impunes, permitem e fazem uso, usando, do amor pelo poder. Dê-se lugar ao poder do amor, que como dizia Ghandi, apenas no dia em que esta realidade for encontrada e trocada, conheceremos a paz.

Tenham um bom dia. Não nos calemos,nem paremos de agir. Com muita musica, resistência e desobediência, pelo que não está de acordo com a natureza da alma dos homens individual e colectiva.

Como o foi no dia da tomada da Bastilha. Um dia vai ser o dia. 

sexta-feira, 12 de julho de 2013

“…Sei que não vou por aí!”

Nas minhas deambulações pelo mundo dos pensamentos, estes acabam por se cruzar num misto de perplexidade e inconformismo e acomodam-se perfeitamente no espaço desorganizado que é um cérebro que não se quer organizado, por pura preguiça.
Ou vingança por tantas imposições politicamente correctas.
Dirão: “perdeste o norte”, respondo: que a minha bússola são os “meus próprios passos”.

São divagações minhas, a viver no mato, sobrevivente a malárias de repetição em pouco tempo, naturalmente já com partes de neurónios pouco funcionais, incapazes, totalmente descalibrados e lassos.
Pensamentos que nasceram na celebração do meu aniversário, num karaoke. Ou antes, inspiraram-se a tomar rumo para mais um pequeno texto.
Se eu estivesse de fora pensaria, mas…num karaoke?
Como estou a ver de dentro, digo que é assim que este cérebro delira, desgastado que está pelas picadas dos mosquitos.
Basta uma frase, uma situação, uma cena vista com olhos sarcásticos, críticos, sem folhas secas e enroladas para rir, que lançam a armadilha para que eu nela entre e delire para o papel.
O pior que me pode acontecer é ninguém ler os meus delírios.

Descobri que Eugene McCarthy um geneticista anda a revolucionar o mundo com uma nova teoria.
A teoria da hibridização como origem da raça humana.
A saber, a reprodução provável entre um grande maluco javali macho com uma desvairada fêmea chimpanzé.
Ou um amor improvável e livre entre estas espécies. Ou tão só e apenas por necessidades de higiene sexual.
Os filhotes chimpanzé-porco teriam sido alimentados por uma mãe chimpanzé entre os próprios chimpanzés.

A história do Tarzan e da Jane afinal talvez não tenha sido uma invenção da Universal Studios do bosque sagrado vulgarmente conhecida em inglês por Hollywood.
Com muitas provas científicas para quem se quiser informar sobre a possível evolução da raça humana.
Vão pensar:” a outra parou a medicação”! Respondo: vão àquele motor de busca famoso, dispam-se de preconceitos e mesmo que haja uns senhores da NSA,CIA,FBI, qualquer ovni ou até dos chocolates kinder a observar-vos, a informação nas revistas científicas está lá.

Esta raça nascida do porco pai com a chimpanzé mãe, que somos nós, chega às noites de karaoke do século XXI, onde ouvi uma frase de um amigo: ”nem sabia que estas músicas existiam”.
Esclareci que eram as famosas duplas sertanejas.
Algumas das quais por quem eu me teria oferecido combater na actual revolução com os irmãos brasileiros.

Para que lhes fossem retirados os microfones públicos e apenas pudessem cantar nos karaokes locais. E com esta salvaguardar a evolução humana. Pelo menos na música.
Vi e fui, na ilha do sexo e a cidade, aos karaokes que acontecem em cubículos onde grupos de amigos se juntam e dão largas às suas ambições de ídolos cançonetistas, em ambiente absolutamente privado.
Deve ter sido aí que o Cowell foi buscar a inspiração para abrir este potencial sinal de declínio e depressão colectivo, ao público.
Deve ter sido nesta fase da evolução que os karaokes nasceram como cogumelos, adaptados a cada país, região, aldeia, tribo.
Ao passar para o cantar público, não se colocou a advertência: a tua avó por ti sente amor incondicional, os outros, sentem apenas simpatia parcial. E não por mais de 1 minuto. Menos tempo ainda para ouvir duplas sertanejas.
Dêem-me um karaoke, e eu salto para cima do sofá a cantar “Waterloo” muito desafinada como uma mãe chimpanzé! Mas em privado. Com zelo pela sobrevivência.

Eles e elas cantam como se não houvesse amanhã. Nem hoje, nem ouvidos feridos. Levam-se a sério.
Nasceram do cruzamento entre animadores com muita adrenalina e empreendedores cheios de energia da vodka. Um reflexo nos pequenos grupos, da grande montra que são as sociedades?
Karaoke, politica, televisão-espectáculo, ganância, lucro, má-governação, manipulação de uns pelos outros, desonestidade, laxismo e nivelamento por muito baixo, são um pequeno passo para a humanidade e um passo gigante para a evolução do gene? Dos porcos-macacos. Ou seja, da nossa!?
Ao longo da noite, as desconfianças de que nos estamos a tornar uns bimbos começou a ganhar terreno. Ou de que estamos a degenerar nos genes. E a voltar a ser porcos-chimpanzés.

Usando uma metáfora artística, a este ritmo, se as duplas sertanejas, os gangnams e os tonis ganham terreno, bem como os artistas do circo barato, aos todo-poderosos magnatas “pseudo-donos”, que cobram bilhetes elevadíssimos para dominar a audiência, movidos apenas pelo lucro, e, que fomentam o desvio do gene, corremos o risco de virmos a ser meros pontos numa caixa de palco, até voltarmos ao pó.
E a sermos varridos para debaixo do tapete da via láctea.

A natureza só se pode sentir irrevogavelmente frustrada, de facto e não apenas um eufemismo,  pelo resultado deste amor entre um porco e um chimpanzé, pela degenerescência visível de quem somos, seja a cantar karaoke sem talento de gente sem talento, seja a fazer politica, seja a citar Beauvoir.
E eu, apesar do mau karaoke e da involução cito-a quando diz:
-"Querer ser livre é também querer livres os outros".
Chegados a este estádio, nesta bifurcação, temos sempre escolha. Ou o porco ou o chimpanzé. Ou quem sabe, nós como raça.
Nem que para ser livre tenha de me livrar daqueles a quem não posso obedecer, correndo se não o fizer, o risco maior de perder a minha origem.

E, não sem me rir de mim própria e dos meus pares, antes de adormecer ao som da chuva africana, com o cheiro da terra que me entra pela pele, levo-vos ao poema “Cântico Negro” de José Régio na voz de João Villaret, esperando que um milagre da natureza nos venha salvar.

Sem karaoke.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Confissões de uma menina que não envelhece, com uma vida extraordinária


Extraordinária: sinónimo de não conforme com o comum, rara, excepcional.



Escrevemos para tornar o nosso mundo individual eterno. Para não nos sentirmos presos. Para construir um arco-iris na vida interior.
Este arco-iris feito de retalhos de momentos e experiências vividas, é a justiça que faço ao coração que acaricia hoje e sempre as minhas palavras.
Num dia em que a lua se despedia do seu amor e este, o sol, a cobria com um manto leve de tons laranja, a luz do verão africano, numa certa latitude a ocidente, tive o privilégio de sair do meu mundo aquático dentro da mulher que se ofereceu para me receber e, iniciar o meu plano extraordinário.
Hoje quase a fechar meio século, permito-me a liberdade de confessar algumas das muitas razões por que o meu arco-iris tem sido extraordinário.
Quem me lê atura-me essa liberdade. Se alguns escrevem auto biografias aos 24, decidi deixar passar mais alguns anos para contar algumas pequenas histórias extraordinárias.
Sou uma pessoa com uma vida extraordinária. Pela qualidade e pela quantidade de aventuras. Mas sobretudo pelos momentos partilhados com pessoas que ao longo da minha vida a fizeram ser extraordinária.
São essas, dessas e sobre essas que quero acariciar.
Às vezes penso que escolhi uma vida para nela incluir muitas vidas.
Tem sido extraordinariamente rico, louco e vertiginoso o ritmo deste carrossel. Mas nunca poderia ter sido tão seguro sem a rede das pessoas maravilhosas e extraordinárias que me têm rodeado.
Desejada rapaz, apareci como a radiografia do meu pai. Hoje pareço-me com a minha mãe. Para que a vida não favorecesse nenhum em particular.
Os meus pais emprestaram-me aos meus pais-avós que me dedicaram as suas vidas. Poucos são tão abençoados. Eu fui. Começou com este facto uma vida extraordinária.
Para os primeiros foi o sacrifício mais duro de qualquer progenitor. Para os segundos o maior presente que se dá aos avós, ansiosamente à espera, como se a vida deixasse de fazer sentido se eu não existisse nela.
Todo o amor extraordinário contido nestas circunstâncias tão raras, com seres extraordinários, se veio reflectir na singular vida que tenho.
São muitos os momentos que têm tudo de extraordinário na minha vida com eles. Porque eles próprios foram seres extraordinários. Com vidas dignas de caber num livro.
Um dia quem sabe, inspiro-me e escrevo a riqueza das suas vidas. Com eles formei o meu carácter, aprendi a ser autónoma, a ser livre, a querer mudar o mundo, a não perder nunca o sonho de fazer da minha vida um momento extraordinário.
Estragaram-me com mimos e atenção. Cobriram-me de amor e sonhos. Também de amor à leitura, à escrita, à música, ao teatro, à dança e outras expressões de arte, como a arte de conversar, ouvir e até cozinhar.
E de ter a porta aberta de casa e do coração para receber.
Ainda sou uma viajante neste caminho mas espero que estejam ambos orgulhosos e a sorrir. Ainda hoje sou uma empreendedora de sonhos, lutas e conquistas.
Com os pais, após uma vinda aterradora de uma guerra colonial avassaladora, que encerrava sonhos desfeitos de vidas extraordinárias, de tal modo amarrotados que o coração negava reconhecer, veio o amadurecimento e a chegada à vida adulta.
Com muitas doses de insanidade e a descoberta de que tinha à minha disposição um leque de cores desconhecidas para pintar a minha tela.
Nesta vida que já era extraordinária, mantinha-se a porta sempre aberta aos ensinamentos sobre partilhas e trocas, onde nesta grande família a solidariedade e a reciprocidade eram a chave do entendimento entre todos.
Foram tempos extraordinários no seio de gente extraordinária que se excedeu e me proporcionou momentos de enorme raridade.
Este cenário de momentos duros, de perdas que não se ultrapassam se não formos extraordinários, de conflitos e rebeldia, também se fez no meio de música, dança, alegria e festas.
Foi essencial para o meu desenvolvimento e muito contribuiu para a minha maturidade. É esta família que eu aprendi a conhecer e a quem me liguei que torna também a minha vida extraordinária.
Vieram as viagens, viver em vários lugares e países, partidas, chegadas e muitas aventuras extraordinárias.
Vieram amores que tomaram posse, amores desfeitos, amores que se alojaram, amores que se desvaneceram.
Mas não houve um que não fosse extraordinário.
Com eles, mais um pedaço de uma vida extraordinária compõe hoje a minha manta.
Os amigos, todos os que foram, deixaram de ser, continuam a ser, os que nunca se perderam, os que foram reencontrados, os que chegaram como amigos e se transformaram em irmãos e irmãs e que hoje partilham a minha vida extraordinária, são pessoas extraordinárias.
Porque aceitam a minha insanidade, a minha loucura, o meu riso fácil, os meus cozinhados, as minhas mudanças de humor, as minhas irritações, as minhas mágoas e dores, as minhas incongruências, as minhas falhas, as minhas fragilidades, as minhas vaidades, os meus defeitos, as minhas arrogâncias e, extraordinariamente continuam ao meu lado.
Em quase 50 anos não sou fácil, não sou domesticável, não sou simples, não sou consensual, nem deixo de dizer o que a alma me pede para não calar, mesmo que pelo caminho faça estragos.
E tenho-os feito. Nas colunas do deve e haver, no entanto, somo mais conquistas. O que é um facto extraordinário.
Por fim, um dia a vida veio engravidar-me com o maior presente de todos: a maternidade. De um ser que nada tem ou teve de comum. É um homem extraordinário. Foi uma criança e um adolescente extraordinário. Louco como eu queria um filho.
Este ser extraordinário garante-me a continuidade da loucura pela liberdade, pela autonomia e pelos sonhos. A mesma loucura pela dança, pela musica, pelas artes.
Tão louco quanto eu pelo pulsar da vida. Ou é extraordinária ou não tem sal.
E o sal é o oxigénio das células da nossa imaginação. Sem limites. Simplesmente extraordinário.
Perigoso também, porque o mundo dele é um mundo interior muito rico e só dele. Onde às vezes só ele existe. Como o meu.
Mas onde todo o mundo cabe. Por ser assim, trouxe para as nossas vidas, mais filhos, vários irmãos e irmãs.
Que metamorfosearam uma vida já extraordinária como a minha, numa vida sublime.
Tão sublime, que extraordinariamente me recompensa com a dádiva de ser avó.
A todos e cada um da minha tribo, devo o facto de ser uma mulher que não figurando na forbes, sou imensamente poderosa com capital acumulado em contas off-shore situadas nas ilhas que são os vossos corações e que juntos formam com o meu, um arquipélago de amor absolutamente extraordinário.
De novo e coberta pela lua africana, que neste aniversário me faz uma festa, e, celebra comigo a chegada a esta data feliz, sussurro ao ouvido de cada um, obrigada por este bocadinho de partilhas. Por me deixarem ser e fazerem sentir extraordinária.
E em vez de serem vcs a darem-me os parabéns eu é que vos quero homenagear. A esta distância, celebro convosco.
Mi é dôd na bosot tud.

“Uma única certeza 
demora em mim: 
o que em nós já foi menino 
não envelhecerá nunca.”

Mia Couto, também ele nascido a 5 de Julho.
No poema "Declaração de bens" Do livro "Tradutor de chuvas"


E uma musica, claro, em homenagem a uma terra que também é minha Cabo Verde, que celebra hoje 38 anos de independência.