O Inverno do nosso descontentamento
Como cidadã(o) tenho o dever de cumprir as leis justas que o meu Estado
me impõe. Existe uma relação de reciprocidade entre mim e o meu Estado. Porque
o meu Estado defende os interesses dos seus cidadãos e serve-os. Para fazer
leis, serve-se de princípios éticos e comportamentos morais exemplares e justos.
Tenho o direito de exigir ser governado com sabedoria e ética. Em
contrapartida eu obedeço às leis que vêm deste Estado que eu elegi e se
comprometeu em servir-me e respeitar-me como cidadão. Nada mais simples e
descomplicado.
Mas cada vez mais me sinto sem Estado. Este Estado composto por
cidadãos eleitos pelos seus concidadãos para nos servir cada vez mais perde a
sua legitimidade porque não respeita o principio básico da reciprocidade que
mencionei. Eu dou, eu obedeço, o Estado não é nem sábio, nem ético, nem justo.
Que soluções tenho, pergunto-me eu, cidadão?
Lembro-me de H.D.Thoureau em 1849 quando publicou o livro desobediência
civil, ele próprio em desobediência quando se recusou pagar taxas/impostos
porque o seu Estado não estava a governar com leis justas e estava envolvido
numa guerra injusta, perante as consequências dos seus actos afirmou: “Quando
um governo prende injustamente qualquer pessoa, o lugar de um homem justo é a
prisão”.
Porque naturalmente o Estado tem o direito e a obrigação de punir quem
desrespeita e não cumpre a lei. Mas o nosso Estado apenas faz cumprir a lei
para uns filhos de um Deus menor. Do nosso contrato de reciprocidade tem feito
letra morta.
Estamos perante circunstâncias extremas que exigem medidas extremas. De
desobediência civil. Só tenho o dever moral de obedecer a leis justas.
Recordo-me
de exemplos como Ghandi que apelou e praticou a desobediência civil contra o
apartheid na Af do Sul e a independência da India. Ganhou a luta contra o
gigante Reino-Unido. Lembro-me de Rosa Parks (uma negra) em 1955 nos EUA que
desobedeceu à lei que a mandava ceder o seu lugar no autocarro a um branco, e
deu início à desobediência civil liderada por M.L.King. Ganhou a mudança a tal
ponto que hoje B.Obama (um negro) é o líder desse país.
Hoje li um desabafo de um desempregado que me levou a querer escrever
este texto. Talvez 1 milhão e meio de pessoas esteja hoje no desemprego em
Portugal entre os 20 e os 55 anos. Como ele dizia, não temos dinheiro para
sermos empreendedores. Ou quando respondemos a anúncios para telefonista a
ganhar o mínimo e rezamos para sermos escolhidos entre os 350 candidatos com
licenciaturas ou não. Mandamos candidaturas espontâneas no meio de milhares de
concorrentes e ninguém sequer nos responde a agradecer o esforço. Mas
precisamos desesperadamente de sobreviver, com ou sem o mísero subsídio de
desemprego. Que fazer?
É transversal neste momento a incapacidade de produzir e dar ao seu
País mesmo quando se tem vontade, capacidade, conhecimentos, aptidões, habilitações
experiência, idade, projectos e muita vida para ser aproveitada no presente e
no futuro. E como dizia quem escreveu esse desabafo ” o futuro vira-nos as
costas”.
Quem nos está a virar as costas é o Estado, respondo eu, do alto da
minha ignorância como cidadã! Porque não nos está a defender, a ser justo. Está
a deixa-nos à mercê de salteadores, de piratas, de senhores de fraque (mercados
e triunvirato) através de badamecos (expressão muito bem utilizada ontem pela CFA
ao falar de Relvas) que apenas querem liquidar de vez a liberdade e o poder dos
cidadãos.
Pactuámos, demos a mão para que se instalasse o regime selvagem e
elegemos. Não pedimos responsabilidade, deixamos andar e fomos fazendo a nossa
vidinha fechando os olhos, porque não era connosco, era sempre com o vizinho…e
sempre íamos comprando um T1 com marquise, um carrito topo de gama, umas férias
nas Caraíbas e umas tecnologias de ponta, e hoje por falta de pagamento se
calhar já nos foram retiradas. Mas porque não querer viver um bocado melhor?
Alguém tem a pretensão de dizer que isso não é legítimo?
Impingem-nos a ideia
de que vivemos acima das possibilidades! Eu devolvo dizendo que sim, nalguns casos
de pura vaidade. Mas a maioria tentou estar um pouco melhor e dar aos filhos o
que de outra forma não podia. Venderam os sonhos e nós comprámos.
Mas quem viveu acima das possibilidades foi o meu Estado. E não
educou, muito menos foi responsável. Nem foi ético nem se desenvolveu com base
em exemplos de moralidade inatacável.
Mas como se viu no Apartheid, na independência da India, na luta dos Direitos
civis entre outras, a desobediência civil mostra que o poder está nas mãos de
cada um de nós.
Basta-nos “levantar do chão” de forma pacífica como mostrou M.Gandhi, ou
N.Mandela, ou MLKing,ou Rosa Parks,ou H.Thoureau, e, não obedecer ao Estado que
não nos protege, não é justo, nem sábio e não respeita o nosso pacto de
reciprocidade.
E se o Estado me levar presa pelo meu acto? Irei! Não sou eu que
estou em falta! Qual é a dúvida?!
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