quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Despertares Pemba (os meus)


6.30 da manhã:

Acordo com gritos violentos: ”minha senhora, minha senhora, sai de casa”
Dou um salto da cama e levanto-me penosamente com os gritos que não param. 
Como sempre, estou em modo Calvin quando decide fazer arrumações: não sei onde está a chave!
 e os gritos continuam…
“há fogo minha senhora, sai de casa” e eu à procura das chaves…
Grito também: “já ouvi! Não sei das chaves, não posso abrir a porta e se há fogo alguém desligue o quadro da electricidade! 
Estava a dar demasiada informação…
O grito colectivo mantém-se como se ninguém me tivesse ouvido.
Qual cartoon…10 anos mais tarde…
eis que as chaves aparecerem não sei de onde e desgrenhada e ramelenta abro a porta e vejo um quadro que não sei se me escangalhava a rir se a chorar se panicar:
Por trás de uma nuvem de fumo e umas labaredas, um grupo de empregados da casa principal todos juntos a gritar e nos rostos lia-se o medo. 
Virei costas entrei em casa e fui a correr para o quadro eléctrico no lado oposto da casa. Desliguei-o e fui perceber o drama.
Afenal um canalizador tinha estado a substituir um cano e só substituiu metade. A outra metade, continuava podre, corroída pela idade. Já lá estava desde que Bartolomeu Dias dobrou o Cabo…
Colocou terra em cima, o cano rebentou e o fumo que saía era ar a ferver…e chamas à mistura perto de uma ficha eléctrica.
Não percebi se o perigo foi real ou se podíamos ter morrido todos. Aos gritos. Ou não.
Disse-lhes que estava eternamente agradecida, sobretudo porque gritaram, mas não desligaram o quadro…Eles queriam só salvar a “sua senhora”.
Como ainda me restava meia hora de sono, não o desperdicei.

04.30 da manhã…

De um salto estou sentada na cama sem perceber onde estou…enquanto ouvia um silvo: allahhhhhhhhhh
O que me fazia despertar?…
Cartoon seguinte:
Eu quase a descabelar-me… o allahhhhh continuava...
Afinal era o maulane da mesquita na 1ª reza da manhã. Em cada aldeia, em cada esquina há uma mesquita e o dia de rezas começa às 04,30…
Nunca mais vou dormir à aldeia, sem levar tufos para os ouvidos! 2 pares!

Na aldeia, onde vive a Vera “Blixen”, em cima da praia para onde vou frequentemente, as pessoas vivem em comunidades estreitas quer se queira quer não.
O vizinho da Vera construiu a casa dele, geminada com a da Vera, em material local.
Ela sabe quando ele está na casa de banho, no quarto ou na sala pelos barulhos que oferecem pistas.
O vizinho não trabalha e descobriu o amor pela música e pelas motorizadas.
Daí a comprar uma aparelhagem chinesa (naturalmente) em décima mão com más colunas foi um pequeno passo na sua evolução como pessoa.
O som ouve-se na aldeia vizinha, mas é na casa da Vera que a musica africana de qualidade…se vive com intensidade!
E assim despertamos muitas vezes…
tantas que já deu direito a queixa e a um pedido de desculpa formal. Depois, acalmou.
Mas só porque a aparelhagem morreu de repente. Foi a praga que lhe rogámos! Benditos produtos chinas de curta duração!
As motorizadas…bem, ele não tem guito para o gasóleo, apenas as põe a trabalhar às 05.00…para ouvir o som celestial do motor! Sobretudo agora que a aparelhagem pifouJ. Numa de vingança contra as molungas.
Para lá ir dormir preciso de 2 pares de tufos…

06 e picos…

Cum raio me caia em cima foi o que pensei quando saltei na cama!
Um choro intenso e sofrido, muito muito alto. Magoava os ouvidos e a alma. Mas que raio…
Era sexta-feira, dia de sacrifício do cabrito na religião muçulmana. Estava a acontecer ali mesmo no meu quintal.
E é sempre assim, às 6as haja feira ou não, há sacrifícios.
3 pares de tufos nos ouvidos são poucos!

“Minha senhora não lhe vi 2 dois dias, onde estavas minha senhora? Estava muito preocupado”. “Trouxe esta papaia para a minha senhora”
Eu tinha ido passar o fim de semana para a praia e estas foram as palavras do meu guarda (sim tenho um guarda, toda a gente tem) quando despertei.
Dorme na minha porta e um dia destes que saí à noite, quando voltei, consegui a proeza de abrir a porta de casa, saltar por cima dele e fechar a porta…sem o acordar. 
Pensei: deve estar a usar os meus tufos…
Ahh e a papaia? Agradeci e respondi: “quanto te devo?” “Nada! Apanhei num quintal para ti”.
“Num quintal? Então e os donos?”
“Não vi ninguém, não tem dono… e há muitas lá, podem dividir”
Soube-me ainda melhor o pequeno-almoço.

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