sábado, 2 de agosto de 2014

Mini conto- Linhas tangentes

Apanhou-a de surpresa. Quando olhou os seus olhos de um azul profundo como o oceano largo, o seu coração ficou suspenso.
O dia aproximava-se do final. Entraram pela noite numa animada conversa rodeados de pessoas. Mas olhavam-se sem receio e absorviam-se.
A sua alegria era contagiante, o sorriso sem receio de se dar. A conversa fluía como se se conhecessem fazia anos. De repente tinha tudo. Em poucos minutos de troca de palavras, mas sobretudo quando falavam com os olhos. A noite voou. Não trocaram contactos. Deixaram que o destino os guiasse.
Por uma feliz coincidência reencontraram-se numa rua. Era improvável aquele encontro, por isso o atribuíram ao destino. Não se tinham esquecido do outro depois daquela noite feliz. O tempo passou de novo a voar. Falaram muito. Em particular com os olhos.
Voltaram-se a encontrar para doces encontros na praia. Onde ficavam sentados na areia. Ou a passear de mãos dadas com a água. De dedos entrelaçados. Às vezes próximos demais como para se ouvirem atentamente.
Sobretudo ela ouvia-o. Ele adorava contar histórias e tinha vivido muitas. Dizia que também gostava de escrever. Ela ria-se muito com as estórias e dizia-lhe que não podia esperar até as ler escritas. E ele feliz com tão boa ouvinte falava. «és uma pessoa… interessante» é o melhor adjectivo que encontro para te definir. Não parece mas é uma palavra grande. É o superlativo de alguém que é tudo». Riram-se ambos.
O tempo sempre que estavam juntos corria com pressa. Contrária à pressa que eles não tinham.
«Sou um homem de paixões fortes» anunciou-lhe ele.
Mas não eram livres. Havia tanto que os prendia. Deixaram que o destino tomasse conta das suas vidas. Ele partiu, ela partiu. Para outras viagens. Despediram-se com dor no olhar e no coração. Ainda se tentaram falar, mas o destino, senhor da situação recusou-lhes um último riso.
Quis ele, esse companheiro da vida, o destino, que se reencontrassem inesperadamente quando já nada fazia prever que as suas vidas se tocassem. Ansiavam o momento de se reverem.
Nesse dia o beijo que trocaram falou por eles. Nele se deixaram desnudar. Foi o primeiro, o único, o último.
O tempo passou por eles cheio de pressa. Eles não tinham nenhuma. Pediram-lhe que parasse. Ele assim não quis. Eles seguiram-no. Do tempo não recebiam piedade.
Tudo o que ele fazia era dar-lhes momentos. De conversas longas, com os dedos entrelaçados, sentados num banco de jardim. O jardim não os conhecia e para eles aquele lugar desconhecido era o paraíso.
Aproveitavam o que sentiam ser o momento que não se repetiria. Apenas os olhos repetiam o que não era dito. Numa única vez palavras escaparam «és um ser quase alienígena, especial para mim».
Despediram-se de novo. Nunca mais se encontraram. Falaram mas não disseram o que calavam. Convidaram-se a manter-se em contacto «sei que nunca nos perderemos, o contacto perdurará», afirmou ele.
Ela como sempre ouvia. A vida com os seus planos não se compadecia com as vontades dos estranhos, que queriam por ela ser acolhidos. As regras pertenciam à vida.
As escolhas…ah as escolhas… Nunca sabemos de quem são as escolhas. Se vêm da vontade, se do destino. Se das bifurcações dos caminhos que abrimos na breve passagem.
O tempo corria sem piedade.
Naquele dia cinzento, a tarde caía, quando as palavras estoiraram como uma tempestade tropical, brutal, repentina, avassaladora:
-O coração dele repentinamente tinha parado.
Os dois tinham sido duas linhas tangentes que se encontraram uma vez e agora se separavam para sempre.
Tinha que acreditar nas palavras dele, ditas num dia já distante «sei que o contacto perdurará, nunca nos perderemos»...”Nascemos para morrermos e morremos para nascermos de novo”.

Sabia isto, mas foi tomada pela surpresa. O coração dela ficou suspenso.

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