Mini conto,
Era uma vez…
Um menino de uma tribo.
Ngozi entre muitos irmãos,
das várias mulheres do seu pai, escolheu Mara filha da terceira mulher do seu
pai, para com ela dividir o seu pequeno mundo.
Nesse mundo Ngozi tinha
construído um círculo à sua volta. Lá dentro apenas entrava Mara a sua irmã. E
alguns amigos imaginários. Parecia-se com todos. Nada os diferenciava. Pensavam
e falavam da mesma maneira. Tinha tomado a decisão de não se confundir. Via-se
reflectido naqueles seus amigos porque todos eram iguais.
Cada dia que se aproximava
da prova de valentia e virilidade construía um muro mais alto. Não queria, não
queria…«Ngozi, ( dizia-lhe um dos seus amigos), ao elevares o teu muro, cresces
mais depressa. Deixa-te ficar apenas no teu círculo. Estás protegido por nós»
Ngozi isolava-se e cada
dia estava mais taciturno. Mara era a única alegria da sua vida. Era uma menina
radiosa, vibrante, cheia de vida, linda como o primeiro raio de sol que o
despertava todas as manhãs, na imensa savana tão sua familiar.
-«Ngozi anda, vamos fugir!»
Ngozi assustou-se. Fugir? Aquela menina não era daquela sua tribo…como podia
pensar em fugir? «estás louca Mara? Então e as minhas obrigações? E as tuas?»
Rindo-se sem fim, Mara
agarrou a mão do seu irmãozinho e puxou-o: «para já vamos fugir da aldeia. Os
baobab estão cheios de frutos. Anda…»
De barriga cheia, deitados
debaixo da árvore mais larga que conheciam, sagrada e bela, pensavam nas suas respectivas
sortes…
«Mara a ti cabe-te ser
escolhida e comprada por algum homem da tribo e viver debaixo das suas regras e
obrigações, que inclui seres tratada como um pilão de amassar o milho. Uma vaca
é tratada com maior respeito», dizia infeliz Ngozi... «Mas eu vou-te proteger
sempre e se algum homem te tentar fazer mal, eu mato-o com a minha lança»!
Hihihihi ria-se Mara
contente…« meu irmãozinho, tu? Não és capaz de matar ninguém, mas sei que me
queres bem e que me vais sempre proteger. Prepara-te antes para a tua prova, tu
sim tens um leão maior do que o meu para enfrentar e vencer. Estou preocupada
por ti. Ao contrário do que te dizem os teus amigos, esses imaginários, tu
devias sair, brincar com outros rapazes e preparar-te para a vida dura que vais
ter : caçar, cruzar fronteiras, cuidar de várias mulheres... És tão frágil
Ngozi, tão fechado…. Primeiro vais ter de matar um leão, com a tua lança, para
provares a tua virilidade e isso parece-me tão improvável meu irmão… que vai
ser de ti?...»
Se algum dia pudermos,
fugimos, pensou Ngozi sem nada dizer. Tinha que pensar num plano…
Calaram-se e ficaram a
pensar no destino que lhes cabia em sorte.
Ngozi adormeceu. Naquele momento
não tinha medo, estava ali com Mara, fora dos limites da aldeia e nada de mal
lhes podia acontecer. Os pais estavam nas suas rotinas diárias e eles pouco
contavam para a vida da tribo.
Mara pegou na flecha do
irmão e aventurou-se. Queria tanto quanto o irmão libertar-se daquele mundo de
regras, obediências e obrigações. Por Ngozi e por si tinha de pensar num plano…
Caminhava sem olhar por
onde ia. De repente estacou com um barulho quase imperceptível a ouvidos de
quem não convivesse com os segredos da savana.
Voltou-se em direcção ao
barulho, que vinha do sítio onde tinha deixado Ngozi adormecido. Procurando ser
silenciosa, o que bem sabia com os seus 12 anos de treino nas brincadeiras,
aproximava-se e o que viu deixou-a gelada.
Um leão, a poucos metros olhava
para Ngozi parado. Preparando o salto.
Em poucos segundos, tantos
quanto demora um pensamento a transformar-se em acção de sobrevivência, Mara agarrou
a flecha e colocou-se em posição de disparar.
Ngozi tinha-lhe ensinado a
arte para a qual se preparava há 14 anos. A sua prova de virilidade, de coragem
e de força. Não podia dar tempo a que o leão se apercebesse dela.
Se hesitasse Ngozi morria
e ela também. Àquela distância não costumava falhar nas árvores. Não podia
falhar agora, pensou num último segundo.
Como um verdadeiro guerreiro,
Mara puxou a flecha e disparou.
O leão deu um salto com a
surpresa do embate e caiu ao lado de Ngozi. Mara a tremer de medo, correu a
puxar o seu irmãozinho que estava acordado a chorar, com as mãos a cobrirem-lhe
o rosto:
-Ngozi estás bem?
-Sim Mara, disse Ngozi por
entre os soluços, que aconteceu?
Mara contou-lhe e
abraçaram-se a chorar.
-Anda vamos voltar para a
aldeia, contar que mataste um leão. Está aqui a prova. Vamos antes que o leão
ferido se atire sobre nós…
-Mara minha irmãzinha, não
vês que lhe acertaste no coração? Está morto, mas foste tu que o mataste, não
eu.
-Mas a aldeia não sabe, só
nós. E sabemos que tu não querias que isto acontecesse, mas tinhas de passar
por esta prova. Anda, corre! Não vês que esta é a prova de que podemos fazer o
que quisermos?
Correram de mãos dadas. De
vez em quando olhavam para trás. O leão não tinha fugido. Mara acertara como só
os grandes guerreiros, corajosos e viris conseguem. E salvara Ngozi.
Nessa noite a festa na
aldeia foi rija. Celebrava-se a bravura de Ngozi com cantos, danças, comida e
muita bebida. Ninguém estava mais contente que Mara. Ngozi pouco participava,
mas como lhe era reconhecido um carácter fechado, ninguém prestou importância.
Ninguém o viu desaparecer
da festa horas depois desta ter começado.
Ninguém o viu ir buscar
Mara, com um pequeno saco, a flecha e alguma comida (que tinha roubado da festa)
e, partirem da aldeia.
Prometera a Mara que a
iria proteger da vida que lhe tinha cabido em sorte. Ela tinha-o protegido com
a sua própria vida.
Cabia a Ngozi cumprir a sua
parte da promessa de fugirem em busca da vida que queriam e não a que lhes era
imposta.
Nessa madrugada, antes do
sol de novo lhes desejar um bom dia, desapareciam por caminhos empoeirados, rumo
a outros mundos. Nessa noite Ngozi quebrava o seu muro e abria o círculo.
Outros amigos haveriam de entrar. Matara o seu leão.
Aquela era a casa de
ambos. A família. O mundo que conheciam. A herança das suas vidas.
Mas não as suas
fronteiras.
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