Na espuma dos nossos dias (na idade das trevas parte
II)
UBUNTU: “Eu sou humano porque eu pertenço, eu
participo e compartilho”.
“Um antropólogo
estava estudando os usos e costumes de uma tribo e, quando terminou seu
trabalho, teve que esperar pelo transporte que o levaria até o aeroporto de
volta pra casa. Como tinha muito tempo ainda até o embarque, ele então propôs
uma brincadeira para as crianças, que achou ser inofensiva. Comprou uma porção
de doces e guloseimas na cidade, colocou tudo num cesto bem bonito com laço e
fita e colocou debaixo de uma árvore. Chamou as crianças e combinou que quando
ele dissesse "já!", elas deveriam correr até ao cesto e a que
chegasse primeiro ganharia todos os doces que estavam lá dentro. As crianças
posicionaram-se na linha que ele desenhou no chão e esperaram pelo sinal
combinado. Quando ele disse "Já!", instantaneamente, todas as
crianças deram as mãos e correram em direção à árvore. Ao chegarem, começaram a
distribuir os doces entre si e comeram-nos felizes. O antropólogo foi ao
encontro delas e perguntou por que razão elas tinham ido todas juntas, se uma
só poderia ficar com tudo que havia no cesto e, assim, ganhar muito mais doces.
Elas simplesmente responderam:
"Ubuntu, tio.
Como é que uma de nós poderia ficar feliz se todas as outras estivessem
tristes?"
Somos porque somos o outro, porque nos
contemos no outro. Ubuntu é mais do que uma palavra, ou filosofia. A solidariedade
e a força de um grupo é maior do que a do indivíduo.
As necessidades da comunidade são
maiores que os direitos individuais ou as suas necessidades. E a
responsabilidade de cada um é maior para com a comunidade. Não apenas aquela a
que pertence. Mas ao todo.
Os efeitos da globalização, da
sociedade viciada pelo consumo, pela individualização e pela megalomania dos
homens gananciosos, têm estado naturalmente a derrubar este conceito.
Não ver e não falar sobre o único
sentido da vida em comunidade que é a partilha e a empatia, os valores que nos
deveriam guiar como comunidade e como indivíduos, é perder a razão de existir
da família humana.
Por estudar Educação, ser mãe e avó, tenho
o desejo, mesmo que seja uma utopia, de que um dia os jovens e os adultos se
sintam imbuídos do sentido da filosofia Ubuntu, nas escolas, nas famílias, nos
grupos sociais, na política.
Não, o sentido inverso que estamos a
caminhar. O da sequela Idade das Trevas parte II.
As praxes de boas vindas, que ensinam
respeito, partilha, empatia, inclusão e Ubuntu, são bem-vindas em todas as
escolas e universidades.
Há muitos anos atrás como aluna
finalista no ensino secundário fui convidada pela minha escola para fazer a “praxe”
aos caloiros. Através de um discurso perante toda a escola, alunos, professores
e trabalhadores, exprimi o conceito Ubuntu, porque o sentia no coração e na
mente.
Cumpriram-se praxes de integração dos
mais velhos aos mais novos. Com muita brincadeira, empatia e respeito.
Hoje
e de há uns anos para cá, eu, com idade de ser mãe de alunos universitários,
sou responsável se eles não sabem que transformaram uma actividade de boas
práticas, limitada ao início do ano lectivo, porque depois temos que estudar e,
para integração e boas vindas, em bullying.
Sou
culpada pela perda de vidas. Sou responsável por não ter ensinado estes jovens que
as actividades de más práticas a que eles se dedicam, dão pelo nome de
bullying.
Ninguém
pode ser feliz nem estar a cumprir a elevada tarefa de se tornar um ser
autónomo, crítico e cidadão numa Universidade, tendo na sua praxis diária a
planificação assumida e institucionalizada de bullying ao longo de um ano
lectivo. Que se perpetua com a passagem do testemunho.
Estou
a seguir com atenção o oceano de opiniões e não posso, nem devo falar sobre
aquilo que acredito que deve ser em 1ª e última instância um caso para a
justiça resolver.
Em
consciência também, não posso embarcar no apedrejamento livre de jovens vazios
e sem qualquer formação para frequentar uma Universidade. Que parece ser o caso
se isto ficar provado. Também porque sou responsável.
Por
não ter detectado ou prevenido que os filhos da nossa comunidade se dedicam ao
bullying oficial chamando-lhe praxe, transformando-a num negócio sem alma.
Quando
andamos a debater o bullying que afecta tanta gente, ferindo profundamente a
dignidade da vida das victimas, não conhecemos os nossos filhos, ou se os
conhecemos, aceitamos que eles sejam não estudantes, mas bullies.
Finalmente
Jacinto Furtado que escreve no Noticias on line colocou o dedo mais importante
na ferida. Há 7 responsáveis e 6 perderam a vida. Um karma pesado.
Ninguém
obriga adultos a seguirem rebanhos de ovelhas negras e vazias. Podem se
quiserem, vestir uma capa chamada dignidade e seguir outro pasto.
Se
o espirito Ubuntu lhes fosse intrínseco. Não foi, nem é.
Como
mãe, estudante, adulta, cidadã, sou responsável e culpada pelo que se está a
passar na comunidade. Somos todos. É o regresso às trevas que queremos como
sociedade? É lá que estamos.
A
casa mais importante desta República está cheia destes exemplos de bullies.
Atentos a que aceitemos as praxis deles com resignação, conformismo e medo de
não sermos aceites e incluídos.
Ou pelo grave erro de pensarmos que ser
humilhado e humilhar é o único caminho para provar que somos homo sapiens
sapiens. Como estes nossos filhos acham.
Não
posso apedrejar ninguém. Sou culpada. Posso isso sim ensinar os meus filhos a dizer não.
Posso pedir para que a justiça, a comunidade em geral e a comunidade educativa
comecem de imediato a actuar. Em favor do valor da dignidade, empatia e
respeito perdido. Uns pelos outros.
Para
não sermos varridos por uma onda. Como um todo.
Podemos
mudar a rota? Sem dúvida. A resposta é: Ubuntu!