segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Meia-Idade, uma prosa quase conto


Chegou a meia-idade mas nem sequer teve tempo de perceber se tinha crescido. O corpo ali ficou a meditar no tempo. Era a sua viagem de renascimento. Sem regresso à saudade. Por falta de tempo. Ia continuar a procurar a felicidade em cada instante. Nos pedaços daquela que restasse para si. Era o lar que queria. A morada onde todas as buscas começavam e nunca se perdiam. Os achamentos, passageiros, fortuitos ou relevantes da juventude pertenciam a outra idade. Irrelevante e passageira. O que pensava que era a vida pela frente transformara-se na vida em frente. Olhando-a de frente. Zombeteira. Não foste ou não conseguiste alguma coisa? Experimenta de novo. Mesmo que os sapatos estejam gastos. Agora era de meia-idade. Até ficar sem idade. Os cheiros enchiam a manhã. Em particular da terra acabada de lavrar. Preparada para receber a semente de novas culturas. A terra na sua transformação. Uma borboleta acabava de entrar pela janela a convidá-la a seguir um caminho. A busca de si mesma, da sua transformação. O único caminho a seguir era o voo, mergulhando na sua essência. A cada novo dia, até ao último dia, sem descanso, libertava-se de pesos que a arrastavam pelo duro chão dentro de si. Aprendendo a voar não a limitaria. Iria mostrar o caminho aos que ainda não aprenderam a ter asas. Hoje sim, amanhã não, amanhã sim, no dia seguinte não…São temperaturas. No próprio dia podem sentir-se todas as estações do ano…A vida ria-se de si, descaradamente, enquanto fazia planos. Perdia o pé mas batia os braços e as pernas. Neste oceano sem fundo a profunda liberdade é o maior desafio. Numa tarde fria os multi-eus que convivem dentro de cada um conversavam numa linguagem que nem sempre é a sua língua materna. A linguagem da arte de voar. Atreveu-se a ser livre. Despiu-se de máscaras. Nesse dia, sem resistências, nem idade, voou!

pintura de Toulouse-Lautrec


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