Eu era uma criança de sete/oito anos, apanhava pinhas para retirar os pinhões que partia com uma pedra para comer o seu fruto. O meu avô que me dava livros que falavam de algo desconhecido como a liberdade ensinou-me o valor que ela tinha. Vivia-se na ditadura em Portugal. A maioria das pessoas era pobre. Eu era pobre. Nada faltava na mesa,mas os sacrifícios eram grandes. Nem eu tinha consciência quanto.
Enquanto partíamos pinhões o meu avô explicava-me Goethe e Tolstoi.
A filosofia escorria por entre os dedos de resina.
Unir a finitude ao infinito da e na vida era o sentido que eu deveria encontrar no tempo que por cá passasse.
O meu avô passava-me toda a informação que podia, porque sabia que o seu tempo era finito. Eu como qualquer criança era uma esponja, mesmo não entendendo bem as suas razões, absorvia os seus ensinamentos enquanto comia pinhões com dedos resinentos e ar descontraído.
Na altura, o que mais preocupava o meu avô era o fascismo. Que eu vivesse a minha vida debaixo de uma ditadura sem conhecer a liberdade.
Hoje o que mais me preocupa é o avanço a galope dos fascismos. Onde vivo, na terra do meu avô.
Onde os pinhões deixaram quase de existir, não tenho pinheiros para ir partir pinhas com a minha neta e/ou e encher os dedos de resina e os pinhões custam um preço que não posso comprar.
De onde estou transporto o olhar ao outro lado do Atlântico no Hemisfério Norte, do Mediterrâneo, do Mar Morto, ao Hemisfério Sul, por todos os mares navegados e vejo-o a bramir a bandeira em cada pedra dos muros que constrói.
Se vivo preocupada com a minha sobrevivência, rodeada de escassez imposta pelo dinheiro e falta de liberdade, onde encontrarei o tempo e a árvore necessários para a filosofia?
Para unir a finitude ao infinito da e na vida, que é o sentido que eu tenho de encontrar no tempo que cá passo, conforme aquele homem bonito me ensinou?
Imagino-a a viver em liberdade. A partir pinhões e a comê-los com dedos resinentos e a ouvir conversas de filosofia.
Sem a escravidão imposta pela monetarização do tempo de vida.
Para que possa unir o finito ao infinito dos tempos.
Hoje, tal como o meu avô, a preocupação que tenho com a vida da minha neta é o avanço dos fascismos.
Sem comentários:
Enviar um comentário