Precisamos de reitores,estudantes e professores desobedientes bem como
uma sociedade civil bem desperta para fazer Mate
O regresso ao ensino elitista
20 de Novembro de 2013 às 10:34
A
ascensão de Nuno Crato ao poder foi promovida por duas vias: o seu
populismo discursivo, de que a desejada implosão do ministério foi
paradigma, e a influência poderosa de grupos para quem a Educação é
negócio. Chegou agora o momento em que o aforismo emblemático de César
das Neves começa a colher prova no terreno das realidades: não há
almoços grátis! O recentemente aprovado estatuto do ensino privado
mostra ao que Crato veio e para quem trabalha. O seu actual direitismo,
socialmente reacionário, está próximo, em radicalismo, do seu
esquerdismo de outros tempos. O fenómeno explica-se, tão-só, por simples
conversão de interesses e ambições aos sinais dos tempos. O resultado
que se desenhou e ganha agora forma é o retorno a um sistema de ensino
elitista, onde muitos serão excluídos.
1.
Acabámos de viver o momento alienante da divulgação dos “rankings” dos
resultados escolares em exames, sem que o país valorizasse os outros
resultados, não mensuráveis por eles mas, eventualmente, bem mais
relevantes. Ficámo-nos pela leitura simples dos dados absolutos e
dispensámos a complexa que resultaria do cruzamento das variáveis
subjacentes. Depreciámos, sem razão, as disciplinas que ficaram de fora
dos “rankings”, por não estarem sujeitas a exames nacionais.
Contentámo-nos com olhar para os pontos de chegada dos alunos, sem
considerar aqueles de que partiram. O famigerado “Guião para a Reforma
do Estado”, ao socorrer-se dos “rankings” para, sem pudor, incensar o
ensino privado e apoucar o público, assumiu uma política deliberada de
elitismo e de tudo para o privado e cada vez menos para o público. Cito
dois exemplos de facciosismo, para que não me acusem de me ficar por
generalidades: enquanto às escolas privadas está hoje outorgada total
autonomia pedagógica e directiva, retirou-se às públicas a possibilidade
de estabelecerem as suas ofertas formativas e impôs-se-lhes um modelo
único de gestão, fortemente burocratizado e de um gigantismo
desumanizante; enquanto o financiamento público às escolas privadas
aumentou (são mais 2 milhões de euros que no ano passado, num total de
149,3 milhões e 19,4 para os futuros cheques-ensino), todos os programas
de melhoria dos resultados escolares das escolas públicas foram
extintos e o seu financiamento diminuiu. Em conclusão breve, os
“rankings” chamam a atenção para as escolas mais elitistas e menorizam
quantas escolas, eventualmente melhores, acolhem e tentam ensinar os
excluídos.
2.
Não direi que o novo programa de Matemática A tenha sido concebido com a
intenção perversa de apressar a passagem de muitos alunos do ensino
regular para os eufemisticamente chamados percursos alternativos. Mas
será esse o corolário previsível, considerando a complexidade
inapropriada que lhe foi introduzida e a sua extensão. Se já eram
detectados problemas de cumprimento no anterior, designadamente pelas
dificuldades de passagem do básico para o secundário, o quadro ficará
pior face a um programa que ignora o que a investigação didáctica
internacional tem recomendado e é praticado pelos sistemas de ensino que
melhores resultados obtêm nos estudos comparativos. Professores da
disciplina, com quem procurei validar a opinião que formei, foram
unânimes: trata-se de mais um retrocesso de décadas a teorias e
processos há muito abandonados, que promoverá a aversão à disciplina e
fará aumentar o número dos excluídos.
3.
O Governo estabeleceu até ao fim de Dezembro o prazo para as
universidades e politécnicos se pronunciarem sobre a reordenação da rede
de ensino superior, de modo a que o próximo ano-lectivo a encontre
pronta. Se, por um lado, a medida é necessária, por outro, uma imposição
atabalhoada só pode gerar desastre. As fusões e os consórcios que o
Governo deseja não se promovem sob imperativo temporal bruto. Na linha
simplista e imediatamente utilitária que pontifica, pode prevalecer a
lei da obediência à procura. Mas se desertificámos o interior, é natural
que aí não a encontremos. Valeria a pena uma reflexão sobre processos
de rentabilizar a capacidade formativa instalada e o forte investimento
dos últimos anos em infraestruturas, no sentido de atrair jovens para as
instituições do interior, designadamente estrangeiros, o que não seria
difícil se considerarmos a enorme potencialidade da lusofonia. Abandonar
parte do país e aceitar o determinismo da redução sem sequer equacionar
a utopia da expansão é limitativo. As políticas de desertificação do
país, prosseguidas com denodo pelo actual Governo, justificam o receio
de que esta reforma da rede se resuma ao simples aumento das
dificuldades para os poucos jovens que ainda resistem nas zonas do
interior. A ser assim, os que não tiverem recursos para demandarem o
litoral e os grandes centros urbanos serão excluídos.
4. Por
tudo isto, não surpreende que o primeiro-ministro português, paroquial e
subserviente ao estrangeiro, não tenha pestanejado quando, a seu lado,
Durão Barroso pressionou explicitamente o Tribunal Constitucional com a
expressão vulgar do “caldo entornado”. Um e outro, “pintarolas” em
lugares de Estado, não percebem que qualquer cidadão de hoje se deve
bater pela sua Constituição como os cidadãos do passado se batiam pelas
muralhas do seu burgo. É o último reduto para não serem definitivamente excluídos.
In "Público" de 20.11.13
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