“Encheram a terra de fronteiras, carregaram o
céu de bandeiras, mas só há duas nações – a dos vivos e dos mortos”. Mia Couto
UBUNTU: “Eu sou
humano porque eu pertenço, eu participo e compartilho”.
Esta é mais uma viagem de
esperança que empreendo. Pensado não apenas para a Academia, mas para chegar a
quem faz uma qualquer viagem e deixa de si nalgum lugar ou pessoa, e, absorve
em si o outro que lhe toca. Para quem Ubuntu é o todo. Um todo diverso. Único
que o somos todos e comuns como todos o são.
Somos porque somos o outro, porque nos
contemos no outro. Ubuntu é mais do que uma palavra, ou filosofia. A
solidariedade e a força de um grupo é maior do que a do indivíduo. As necessidades
da comunidade são maiores que os direitos individuais ou as suas necessidades.
E a responsabilidade de cada um é maior para com a comunidade. Não apenas
aquela a que pertence. Mas ao todo.
Estamos ainda longe de conseguir o
equilíbrio, que virá com a aceitação, reflexão, inclusão e entrosamento das
várias diversidades, apesar do discurso oficial na EU ou nas Nações Unidas.
A minha primeira identidade é africana. Descendente de escravos que venderam em primeiro lugar aos Árabes
e posteriormente aos europeus os das suas próprias etnias ou de grupos étnicos
diferentes perdedores de batalhas travadas, para trocas comerciais. Também sou
descendente de europeus e árabes que compravam escravos, os vendiam e
exploravam. Luso-africana, ou afro lusitana. Europeia por educação.
Descendente
de judeus fugidos a perseguições e de árabes que ocuparam o território Luso
durante largos séculos. De pretos e de brancos. De emigrantes e imigrantes. De
europeus que ocuparam terras africanas, aculturaram-se e lá deixaram filhos.
Desta variedade nasceram muitos cidadãos como eu. Fizeram muitas viagens sem
fronteiras, tornando-se parte do todo diverso. Como eu faço há meio século.
Portugal miscigenou-se em África e no
pós revolução de 1974 aculturou-se, inclui (se), excluiu (se), foi aculturado,
estigmatizou e foi estigmatizado, diversificou-se em solo nacional e
além-fronteiras. Presentemente observamos e/ou sentimos na pele, qualquer
destes conceitos. Na Europa pós queda do muro de Berlim e com a livre circulação
de pessoas com vários acordos e tratados, junto com a globalização que quebrou
as fronteiras, os cidadãos passaram a ter várias Pátrias. Ainda que não haja
ainda hoje, verdadeira cidadania Europeia, ou Mundial. Mas a diversidade
espalhou-se globalmente. Ainda que ela não seja reconhecida, valorizada, falada
e eleve consciências no global. Hoje escrevo, como cidadã para através da
escrita dar resposta às minhas inquietações e nelas levantar outras a quem me
lê. É o meu papel no acto de cuidar de mim e dos outros. É isto que representa
o trabalho que apresento no meu projecto final desta UC.
Para lidarmos com a diversidade nos
dias de hoje, vejo na mensagem do conceito Ubuntu, um dos que me é mais caro, ainda
hoje vivenciado em algumas tribos africanas, como o único sentido da vida em
comunidade. Os efeitos da globalização, da sociedade viciada pelo consumo, pela
individualização e pela megalomania dos homens gananciosos, têm estado
naturalmente a derrubar este conceito, por isso deixo no meu trabalho orientações
que me servem de exemplo, através de pedagogos como Satish Kumar e
Krishnamurti. Não querer ver a diversidade, conhecê-la, ter medo de falar dela,
não a reflectir, não a assumir, levam à exclusão, à solidão, à descriminação,
ao sofrimento. Não ver e não falar sobre deficiências físicas, cor de pele,
opções sexuais, etnias e modos de vida diferentes em diferentes culturas entre
outras, é fechar os olhos e calar a essência da vida humana: a partilha.
A diversidade é a nossa génese e nas
suas várias formas está imbuída e envenenada com apenas um caminho, o da paz
entre gente diversa, no mesmo mundo. Ou será o nosso fim como raça. Através da
Educação, na universalidade da Universidade, neste mundo decadente, devemos fazer
nascer novas visões e deixarmos de lado discursos e estudos, alguns deles,
vazios. Falar de diversidade é falar de educação por inerência. Uma das razões
do insucesso na nossa evolução vem certamente do sistema Educativo, que nos tem
reduzido todos a meros robots, “one size fits all”, tratados num sistema onde
somos todos vistos como meras máquinas iguais, que devem obedecer ao e no
mercado de trabalho da era industrial e que agora nos descarta
indiscriminadamente.
Termino com uma aprendizagem sobre o Ubuntu citada pelo
reverendo sul africano Desmond Tutu:
“Um antropólogo estava estudando os usos e costumes de uma tribo e,
quando terminou seu trabalho, teve que esperar pelo transporte que o levaria
até o aeroporto de volta pra casa. Como tinha muito tempo ainda até o embarque,
ele então propôs uma brincadeira para as crianças, que achou ser inofensiva.
Comprou uma porção de doces e guloseimas na cidade, colocou tudo num cesto bem
bonito com laço e fita e colocou debaixo de uma árvore. Chamou as crianças e
combinou que quando ele dissesse "já!", elas deveriam correr até ao
cesto e a que chegasse primeiro ganharia todos os doces que estavam lá dentro.
As crianças posicionaram-se na linha que ele desenhou no chão e esperaram pelo
sinal combinado. Quando ele disse "Já!", instantaneamente, todas as
crianças deram as mãos e correram em direção à árvore. Ao chegarem, começaram a
distribuir os doces entre si e comeram-nos felizes. O antropólogo foi ao
encontro delas e perguntou por que razão elas tinham ido todas juntas, se uma
só poderia ficar com tudo que havia no cesto e, assim, ganhar muito mais doces.
Elas simplesmente responderam:
"Ubuntu, tio. Como é que uma de nós poderia ficar feliz se todas as
outras estivessem tristes?"