sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O feitiço do amor




O feitiço do amor,

Sou esquisita e estranha. Como tu e tu.
Quem sabe enfeitiçada.

Hoje vou escrever sobre feitiços. Esquisitos e estranhos.
O maior da vida. Aquele de que todos falam.
Aquele que nos esquisita e estranha.
Nos inquisita e se entranha.

Aquele que nos impõe condições:
-ser-lhe incondicionalmente fiel e servil.
Que se vira sempre, a favor de todos os feiticeiros:
-O Amor.

Falar e escrever sobre ele é esquisito? Estranho?
Canções, poesia,música, literatura, pintura, na sua maioria, são inspiradas e em nome do amor.
Em todas as formas de que se veste. Com alegria e na dor. No desespero e na felicidade.
Nasce,morre, renasce, perpetua-se.
Infinito é a sua forma verbal.

“Cartas de amor são ridículas? Ridículo é quem nunca escreveu cartas de amor”.
Amamos os amigos! Sem precisar de razões. Esquisito? Estranho?
Amamos até os que não conhecemos mas com quem nos preocupamos porque nos fazem perceber que fazemos parte da unimultiplicidade! Esquisito? Estranho?
Amamos os do nosso sangue sem entender ou precisar de razões!? Estranho e esquisito!
Amamos os amores. Não sabendo o que nos levou a transgredir todas as regras, a não ter regras. A ter anarquia na alma. A ficar desembestados como bestas. Por alguém.

O amor é o único direito que contém em si todos os direitos. Por ser o único que não conhece a finitude.
É o único direito que temos o dever de não perder.
Deixa memórias e saudades inexplicáveis e envolventes.
É inexplicável e envolvente, dure quanto durar.

Por inerência de funções, o amor transforma.
Por ser invulnerável, transforma-nos em seres vulneráveis, frágeis, generosos e ilimitadamente poderosos.
Veste-nos com a capa do poder de nos transformarmos, ao mundo à nossa volta, e para lá dele.
Por ser amor é como a imaginação de uma criança.
Por ser amor, não devemos parar de ser crianças.
Não questiona se o queremos ou permitimos. É a essência que em nós reside.
É a fonte de nutrição.
Um dever sagrado. Impõe que o vivamos, independente da nossa vontade.
Sem ele a vida cessa, mesmo que tentemos viver.

Como uma memória de infância, um cheiro, uma imagem, um momento, uma emoção, um sentimento, ele É:
sem sabermos as razões, imprime-se como uma tatuagem na pele:
fica para sempre.
O único direito sem preconceito de cor,religião, sexo,idade,distância,etnia.

Por ser amor é inclusivo. Invasivo. Inesquecível. Intrometido.Indiscreto.Íntimo. Inquebrável. Indestrutível.

Por ser amor é romântico, amigo, universal, uno.
Misterioso, incerto, mágico e inexplicável. Sem disciplina.

Se resistimos, ele persiste, não se importando com razões.
Se o contestamos, impõe-se com maior ardor.
Se nos abandona somos mar sem maré. Inexistentes.
Se o abandonamos, somos lua sem sol. Noite sem dia.

Não nos permite questionar as suas razões:
-quando a dúvida se afirma, ele responde:
-porque sim!

Somos seres diferentes antes de mergulharmos na sua tragédia e felicidade, e, depois que dela emergimos.
E sempre partimos em busca de nova tragédia e exaltação.
Num ciclo infinito até quebrarmos a finitude da vida.
Humilhante seria a vida sem a existência deste ciclo. Sem o dever de cumprir o único direito que não sugere antes impõe-se como única escolha.

O único direito a quem temos o dever de nos entregarmos. Ofereçamos-lhe tudo e ter-nos-emos transformado em seres melhores, especiais,completos.

Porque ele é tudo, é especial e é completo.

O amor faz a criatividade manifestar-se em nós. Junta todos os fragmentos e pontos de um enigma. Dá-lhe sentido, direcção, forma, conteúdo e unidade.

Obriga-nos a exercê-lo. A colocá-lo em prática.
A finitude existe para darmos valor à vida. O que dela fizermos é o que levamos connosco e deixamos aqui com os outros.
Por ser amor é infinito. Acompanha-nos para além de nós.
Quando deixamos de ser. De estar presentes.

O amor grita tranquilamente, a última chamada, para os passageiros, a embarcar na sua viagem:
-todos os recursos individuais devem ser colocados à minha disposição: emoções, inteligência, criatividade, experiência, coragem, intensidade.
Estão preparados?

Tratemos o amor de maneira especial:
- façamos amor com a vida e da vida façamos amor.
Com ou sem medo, usemo-lo. Ele oferece-se, sem mais pedir.

É esquisito? É estranho?

Não! Porque o que nós usamos…
é tão só,

o feitiço que ele nos lançou.


quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Infância, Contos da avuelita



Para a Alice e Amali,

Tomé, José António, Francisco, Clara, Shai, Carol, tinham ido visitar a avuelita e as primas para um longo dia de brincadeiras e jogos. 
Tinha chegado a hora do lanche. 

Sentados nos degraus da varanda, enquanto o sol se despedia do dia, bebiam sumo de cajú fresco, batata doce assada com pedaços de manga, salpicada com queijo fresco e menta e bolo de laranja. 

Ouviam a avuelita, que respondia à pergunta da Alice: Como eras em pequena nonna?

Para uma criança, os seus pais, avós e familiares nunca foram crianças. Conhecem-nos já adultos e no imaginário da criança, não imaginam que esses adultos também conheceram o mundo da infância. 
Para uma avó é fácil explicar. Está à beira de regressar ou já regressou a esse mundo misterioso.

Sem se fazer rogada a avuelita deu o braço à estória que se seguia:

-“Tens dez ideias a cada três segundos…tenho que ter sempre, a porta aberta para ti”…
Felizmente! Pensei eu quando ouvi isto de novo há poucos anos, já bastante crescida, mas nunca adulta. Tenho sorte, pensei, por não ter perdido com a idade a minha característica de infância. 

“Todas as crianças são assim,pensava eu nessa altura da infância. Falam sozinhas, têm amigos imaginários, invisíveis, com quem conversasm. Um mundo mágico. Às vezes uma sala cheia de amigos com todos a trocarem ideias”. Hoje tenho a certeza que todas as crianças são assim. 

Acredito que incentivando a magia no mundo da infância, desenvolveremos crianças mais inteligentes, capazes de lidar com as emoções, mais bondosas e empáticas com o mundo exterior. 

Em crianças somos mais inteligentes do que são os smartphones. Não precisamos do Google maps nem de GPS. 

No meu mundo mágico da infância, perdíamo-nos, andávamos à deriva, encontrávamo-nos, discutímos muito e ficávamo-nos em silêncio para nos ouvirmos. Eram tempos de magia. Só ou com amigos, imaginários ou não.

Acreditava em fadas, gnomos, animais que falavam. Dava aulas em voz alta para uma plateia vazia. Sem corpos físicos. Mas repletos de assistentes imaginários. Todos atentos ao que se passava ali. Quando nos cansávamos íamos comer pinhões, ou dançar. Ou ler juntos.

Presentes estavam as fadas, os gnomos, os animais, os amigos imaginários. 
As portas do roupeiro todas rabiscadas a giz, com frases que vinham dos meus amigos, que serviam de ponto de discussão e estudo, não incomodava os moradores da minha casa. 
Que incentivavam. Uma típica filha única, sem o ser, tem de desenvolver ainda com maior intensidade, o seu próprio mundo misterioso. Não, não era maluquinha nem doente. É o mundo da infância e da criança que em todos nós vive eternamente. 

Sim somos vulneráveis, sensíveis, frágeis, criativos, inseguros, crianças e isso não está imbuído em qualquer doença.

No silêncio do quarto, na quietude do rosto de criança que eu era, movimentava-se freneticamente o misterioso, os mistérios que eu não via e os que desconhecia. 

Ao redor da cama, distribuía livros. De fadas e estórias mágicas, de contos que me ligavam a outras pessoas sem fronteiras como eu, a mundos infinitos. 
Que me ligavam com um fio invisível, a outras estórias, outros mundos. Misteriosos, desconhecidos, invisíveis. Assim também julgo eu que nasceu, através dos livros, o conceito de internet.

Um mundo de infinitas janelas para mais estórias, mais perguntas, mais ideias. De repente descobria que o mundo misterioso que me rodeava era o que eu precisava, queria e iria descobrir ao longo da vida. Das fadas, aos gnomos, até aos homens. Quem somos…?

Estava nascida a minha curiosidade. Fazer perguntas, ter ideias novas, incluindo sobre novas dez perguntas que nasciam a cada três segundos, era a minha arte.

No Outono ia apanhar castanhas com todos os amigos que comparecessem. No tempo das pinhas, partia os pinhões, sentada numa pedra e comia até me cansar. Com os meus amigos. 
Ia fazendo perguntas e tendo ideias: “Tens dez ideias a cada três segundos” dizia-me o avô. 

Estava a transmitir as ideias que me chegavam dos amigos, fadas e gnomos e que tinha na minha rede de contactos. 
Eu era a porta-voz desse mundo. 

Hoje que tenho “mais passado”, e é lá que a minha memória e referências estão ancoradas, o silêncio diminui e ganho voz. 
Perdi espaço para me encontrar dentro desse mundo mágico, mas porque o tive, encontrei-me:nunca deixei de ser criança.

-O que sonhas como uma velha criança avuelita? Quis saber Amali

Todos pensavam que afinal eram muito parecidos. E claramente entendidos. Aquele era o mundo deles.

-Vou andar por aí, a terminar o que comecei, quando me aventurei nesse mundo mágico de curiosidade, incertezas, dúvidas, mistérios, perguntas e estórias.

Mesmo que a ubiquidade da maldade seja o ás de trunfo do mundo presente, eu tenho a semente da bondade colhida na minha ligação junto das fadas, dos gnomos e das fantasias dos meus amigos mágicos.E dos reais.

Muitos amigos estão grávidos e pariram crianças que são as minhas fadas,os meus gnomos, as minhas crianças reais. Vocês todos. 

Sonho para que não abandonem o mundo das fadas, da curiosidade, das perguntas, das descobertas e da criatividade. Da vulnerabilidade, da sensibilidade e da bondade.

Esse é o mundo que ainda hoje me habita, que me acompanha e orienta. A minha rede os meus pontos cardeais. Que quero perpetuar e ensinar, como eles ensinam o cosmos a seguir infinitamente. 
Sonho nunca deixar de colorir o meu mundo.

Meninos e meninas, agora venham daí ajudar-me a pintar o céu de todas as cores, concluiu a avuelita, distribuindo pincéis.

O sol, sentado no ocaso, tinha estado a ouvir a avuelita antes de se deitar. Os olhos fecharam-se e ele deixou-se embalar pelo doce movimento do mundo mágico das crianças a pintar deixando um rasto de laranja,cinza e rosa…

domingo, 26 de outubro de 2014

Carta a Moçambique,

Porque te amo e desejo que encontres o teu caminho

Sou átomos de todos
todos têm moléculas de mim
Pertenço a tribUs em cada lugar
de cada coração que abraça o meu

Se esta carta ofender alguém, saibam que não respeito a opinião de todos. Porque não respeito as opiniões de quem não quer a evolução da humanidade que só irá acontecer quando não fecharmos os olhos à corrupção, às desigualdades, ao medo. Por medo. E eu, não tenho medo. Porque me resta a dignidade de ser uma cidadã em qualquer parte do mundo, com os olhos bem abertos.
O que tenho a ver com as eleições em Moçambique? Nada. Não sou cidadã com bilhete de identidade, nem cartão de eleitora. E tudo!
Precisamente porque se passam cem, cem anos da primeira Guerra Mundial,devastadora para a Humanidade, comandante em chefe das desigualdades, por disputas entre machos alfa dos territórios do mundo, das fronteiras apetecidas, incluindo as africanas, hoje tenho tudo a ver com as eleições em Moçambique.
Porque sou uma cidadã deste planeta. Porque me preocupo com cada cidadão que é também um átomo de mim. Porque lhe tenho amor e às suas gentes. A Moçambique. Porque lhe devo momentos felizes.
Mas não lhe devo cegueira. Porque vejo. Com os olhos da cidadania. E os olhos de um ser humano consciente, acordado e sem medo.

Em cada território onde os direitos humanos sejam desrespeitados, as desigualdades aumentadas, os proscritos silenciados, abandonados, onde a corrupção for a arma de alimento dos egos dos machos alfa, serei cidadã daquele país.
Segundo leio, há provas da falta de transparência, de agressões, de roubos, de uma fraude sem paralelo nas eleições moçambicanas onde se contabiliza a matemática numa nova ciência, por exemplo: Frelimo:76%, Renamo 46%, MDM 24%. Num universo de 100%...

Um país independente e livre, entregue a si próprio, aos seus naturais, a quem tem que ser por inerência de nascimento e vida.
Mas não é um país livre, está nas mãos de gente que não lhe quer bem, que não o quer livre, transparente e exemplar.
Porque irmãos não podem deixar correr o mesmo sangue nos caminhos já percorridos e nefastos para todos. Para toda a Humanidade.
Urge pedir novas eleições. Urge que quem tem responsabilidades no processo, incluindo a comunidade internacional não silencie o que tem que ser gritado, porque à vista desarmada se manifesta.
Onde aquele que ganhar seja o verdadeiramente escolhido pelo universo dos 100% dos cidadãos eleitores.
Sou cidadã deste planeta que me oferece todos os países para viver. Sem fronteiras. Mesmo que obriguem homens irmãos a derramar sangue para as construir. Altas e de aço.

Não deixes Moçambique, que te tinjam mais da poeira suja de cor sangue. Viva a liberdade num país que desejo livre do cancro com metástases que te sugam a vida.
Que novos caminhos se abram para ti. Aqueles com os quais concordo, como cidadã, e, que todos quiserem em nome da dignidade da vida, dos direitos humanos, da liberdade, da transparência e da tua evolução.


Desigualdades

Sou átomos de todos
todos têm moléculas de mim
Pertenço a tribUs em cada lugar
de cada coração que abraça o meu


Cem anos se passaram
Da primeira guerra que colocou o mundo
Na senda das desigualdades
Combatem,perdem a vida, deixam milhares de órfãos e viúvas
Para que outros homens, iguais a todos nós, mas previligiados porque o casaco que vestem é feito do algodão colhido pelos escravos, vivam ricos
Deixando aos que morrem as sobras sintéticas para vestir. Estes são os que morrem e deixam órfãos,viúvas e mães de luto
Estamos cem anos mais sábios?

As desigualdades cem anos depois, não se desfizeram nem estão esgaçadas pelos panos comidos pelo tempo,
Aguçam-se
Gritam-nos nos rostos dos desprotegidos, dos que ainda perdem a vida!
Mas não as encaramos…
Discutiram-se as fronteiras ao belo poder do prazer do ego dos machos alfa. Uma disputa de territórios.
Sem nunca consultar as mulheres. Apenas existem na transparência,
Eles, os homens, morrem em nome do ego de quem comanda as guerras para…perder
Elas, as mulheres submetem-se aos egos que inventam as guerras para… perder
Cem anos se passaram, e entre guerras e desigualdades, o mundo cresceu
Tornámo-nos muitos. Mas menos sábios.
As mulheres esqueceram e dão mais filhos à terra.
Continuam em guerra como se nunca a primeira tivesse tido fim,
em nome dos recursos para os donos do algodão colhido pelos escravos.
Os muros, as barreiras, as cercas e as desigualdades para proteger os que vestem o algodão colhido pelos escravos, cem anos mais velhos,
são ainda mais altos e resistentes.
Vejo-os da minha casa, na minha janela, na beira do meu passeio, no arame farpado que me separa dos meus irmãos
E de uma vida digna
em nome do nada…no vazio que vem das mortes sem justiça
Como se as notas numa partitura de jazz tivessem sido mal combinadas e mal usadas:
-Como se tivesse caído pelas escadas e todos os instrumentos de desafinassem em simultâneo e se tornasse  impossível improvisar.
Numa jam session catastrófica e desamparada.
Somos uma espécie desamparada.
Inventámos o fogo para nele nos consumirmos.
Cem anos de instrumentos desafinados e despidos de partituras.
Onde improvisar para nos levar pelo caminho da nossa essência, a liberdade, estivesse recheado de armadilhas e minas anti-pessoais.
Como se a guerra, começada há cem anos não tivesse terminado…
E eu, todos nós…continuamos a perder guerras…sem número
Somos o meteorito que despejou os dinossauros do planeta,

somos todos os soldados zombies aparecidos por entre o fumo de uma batalha, nas trincheiras da primeira Guerra,
somos todos os que lá deixaram a alma e o sangue. Em todas as guerras.
Em todas as desigualdades, deixamos a alma.

A Humanidade vai vestida com roupas retalhadas ,
se não nadarmos contra a forte corrente que nos quer afogar,
se não aprendermos a desfazer
as correntes que nos aprisionam,
em nome da liberdade que somos
em nome da unidade à qual pertencemos
a humanidade ficará… nua!

sinto com um coração,
Que pulsa sangue vermelho…
sou,
apenas sou,
pó de estrelas
calçada de liberdade
despida de medo
vestida de paixão transparente
um pouco de nada, muito de tudo
sou...de todas as cores,

humana

sábado, 25 de outubro de 2014

A palavra ao Professor Sampaio da Nóvoa

Brilhante. Temos homens verdadeiramente sábios na Educação. E de Estado, contrariamente ao cenário ordinário.
A servir em nome da Nação e dos Direitos Humanos, que perdemos diariamente por quem em casa nos rouba e nos violenta.

Como na violência doméstica: confiamos em quem julgamos não nos querer nem conseguir fazer mal. Por esse (s) agressor (es) somos traídos.
Cada gesto de violência e de roubo, no entanto, oferece-nos mais maturidade. 
Melhor entendimento sobre a realidade e sobre os agressores.Uma vantagem nossa. 
Para sairmos e neles não mais confiarmos.
Há cem anos teve início a 1ª Guerra Mundial. 

Não podemos fechar os olhos e fingir que ao nosso lado não cai por terra, em desespero,mais uma vítima da violência neste país que em trincheira se tornou.

Traços de momentos e viagens


Ontem, falei sobre o livro e deu-me que pensar: em viagens :)
Sobretudo na que estou agora a fazer. Talvez a mais importante entre as mais importantes.
Registada num outro livro.
Quando entrei na estação do nascimento nem imaginava este empreendimento que seria a minha vida. No maior e mais perfeito relacionamento que a viagem da vida oferece.  Vida feita de olhares, cores, risos e brilho, em estações com gente. Gente que rega os meus sorrisos, planta sementes de amor, que duram uma vida, vê com sorrisos crescer os frutos e, limpa as lágrimas que caiem quando chegam os outonos e os invernos.
Como na natureza assim somos as estações por onde passamos, paramos, ficamos ou seguimos.
Tenho a certeza que esta é a razão para comprarmos o bilhete desta viagem. Visitarmos estações. Com gente. Tomarmos um cappuccino, ficarmos nelas, com elas, partilharmos risos, enxugarmos lágrimas e despedirmo-nos um dia. Para a viagem final.
Os bilhetes nunca esgotam. para cada dia iniciarmos uma viagem ou continuarmos a nossa.
Quando a morte me chamar no quadro electrónico, vou roubar-lhe a avareza: matando-a com a beleza das cores das minhas viagens.
Incluindo esta que agora faço entre montes de uma serra e amigos, que me deixam com marcas que guardo com avareza.

Obrigada a todos os que me semeiam, regam e colhem nesta viagem de vida. E são muitos. Todos os dias recebo colheitas.

Obrigada Luisa Silva e Jacinto Furtado por regarem as palavras a este meu livro,e, às letras que vão espalhando em meu nome.
Obrigada Luís Joyce Chalupa e Cristina Stoffel por me darem esta estação actual.
Obrigada a quem anda por aí a oferecer terreno às minhas palavras, lendo-as.
E agora, também ao Jornal de Monchique que também me fará chegar a mais uns, que se ligarão a esta minha viagem.
Que é tudo o que um autor pode desejar: companhia sem avarezas enquanto dura o percurso da viagem.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Permissão para te odiar com amor

Estende-me a tua mão

Embrulha-me no teu calor

Desconhecia que respirar podia ser
Apenas uma dor no peito
que me prendia à vida
no amor de te perder
na permissão que te dei
para me odiares em nome de um amor
perdido e desconhecido da lei do amor


No dia em que deixei
Que a raiva do teu coração
Se espalhasse dentro do meu ser
Ganhei o gelo vindo da tua violência
Perdi a minha mão, a minha vida, o meu chão

Só me resta
Pedir-me:
devolve-me para sempre a minha mão


Não deixes que te amem assim, até que a morte vos separe. Violência não é amor. É crime. É apenas violência.
Não permitas que te aconteça.

Conto escrito em homenagem às mulheres que morrem vítimas da violência doméstica:

Permissão para te odiar com amor

«Pensa em portar-te bem! Se contas a alguém juro que morres. Mato-te com as minhas mãos foda-se!»

«Perdoa-me meu amor amo-te, desculpa-me. Não sei o que me aconteceu…»
«Sem ti não respiro…és toda a minha vida. Amo-te. Desesperadamente…»

Mila já ouvira estas frases tantas vezes que se tornaram o seu mantra de vida. Desde que os amigos não sonhassem…
Procurava sempre esconder e já tinha a arte e a manha para o fazer. Anos de prática e conseguia sempre encontrar uma desculpa para o que Luís lhe fazia. Há oito anos. Estava exausta, mas não sabia o que haveria de fazer sem Luís.
Nem com a sua vida…estava numa armadilha, sem um fio onde se agarrar para se puxar para dela se escapar.

Não se importava muito com a ameaça. Luís usava-a constantemente.
Mas não a colocaria em prática. Amava-a disso tinha a certeza. Nunca a queria longe por muito tempo. Tê-la na sua companhia era a vida dele. Ele precisava tanto dela…

Raramente viam amigos ou família. Ele sentia-se infeliz e só ela sabia. E a companhia dela era a única que o deixava calmo. Também violento. Bebia cada dia mais. Chorava agarrado à sua cintura: «Nunca me deixes, não sei viver sem ti, és a minha âncora, o meu porto. O meu refúgio. A minha vida».

Depois de lhe ter batido a primeira vez. Fora um estalo.
Descontrolou-se. Por um pequeno nada.
Deu-lhe um estalo.
Ela perguntou-lhe porquê? Ele ficou paralisado. Abraçou-se a ela e chorou a pedir desculpa usando pela primeira vez a frase que acabaria por ser um mantra: «Perdoa-me meu amor amo-te, desculpa-me. Não sei o que me aconteceu…»
«Sem ti não respiro…és toda a minha vida. Amo-te. Desesperadamente…»

Mila era o único amor da sua vida. Compreendiam-se tão bem. Bastavam-se. Eram dois serem numa única vida. Inseparáveis. No amor. No medo de se perderem. Como tantas vezes o amor nos surpreende com o medo da perda do outro.
Mila questionava-se como poderia ela viver sem o amor de Luís, tal como Luís lhe dizia repetidamente…

Pouco tempo depois de se começarem a amar, a vida deles juntos, tomou um novo rumo. Estariam para sempre unidos. Eram o oxigénio que cada um precisava.

Mila era o amor da vida de Luís. Este saber, vinha de dentro da sua pele. Sentia-o nos ossos, na alma. Às vezes também lhe doía por tanto o amar.
Ele retribuía esse amor. Estavam um para o outro em todos os momentos e circunstâncias. Assim deveria ser num relacionamento. Era seu dever respeitar a vontade dele. Em nome do amor.

Aos poucos sucedia-se o descontrolo. Os estalos. Puxava-lhe o cabelo e arrastava-a até ao chão. Pontapés. Pegava no cinto e batia-lhe nas pernas. Cada dia mais sádico.
Amor e ódio confundiam-se na sua cabeça. Pavor e angústia passaram a ser o seu drama em cada dia.
Esconder-se dos outros era a sua obsessão. Vergonha, medo, humilhação. Medo de o perder. Medo dele…

Chorava angustiada quando ele a abraçava a pedir perdão. E quando ele começava a bater-lhe. Já nem sabia o motivo por que ele se descontrolava. Nem sabia o que havia de fazer para lhe dar prazer e satisfação. Tinha perdido a criatividade com o tempo.
Com o tempo apenas lhe restava o medo de sair.

O seu refúgio único era no desespero do seu medo: enquanto ali se escondia,procurava constantemente uma forma de se defender da próxima violência.
Secretamente esperava que ele mudasse. Em nome do amor. Ele fazia sempre tudo por ela. Nunca tinha querido outra depois de a conhecer.

Não lhe podia pedir para procurar ajuda. Ele ficava ainda mais violento. Mais agora que nunca. Mais agora que sempre. A culpa só podia ser dela.

Depois de cada crise ele pedia perdão. O amor por ela era tanto…afirmava.
Ela perdoava,porque sentia que o que ele lhe dizia era verdadeiro.
Mesmo que não fosse, ela tinha desistido de procurar outra resposta. Estava morta por dentro.

Tinha tanto medo…queria desaparecer da face da terra. Ou que ele mudasse…para serem felizes.
Em vez disso, sucediam-se as crises violentas.
Estava tão cansada de lutar. Nem sabia quem era o seu inimigo maior…Se ele, se ela própria com o seu medo e vergonha.

Naquela noite, ele estava zangado com alguma coisa. Ou sem razão nenhuma.
Ouvia-o gritar a culpá-la. A dizer-lhe quanto era inútil.
A voz dele chegava-lhe por entre o barulho dos seus soluços.
«Pensa em portar-te bem! Se contas a alguém juro que morres. Inútil, mato-te com as minhas mãos, foda-se! »

Atirara-a para cima da cama e obrigou-a a fazer sexo. Cheirava a álcool como era seu hábito. Ela pediu-lhe que não fizessem porque se sentia doente. Há muito que o sexo entre eles tinha apenas uma forma de ser praticado. Sempre forçado.

Seguiram-se injúrias, humilhações enquanto as lágrimas lhe corriam livremente e ela gritava em desespero «por favor, não! deixa-me ir embora».
«Sua puta é o que tu queres? Vais tê-lo…»

Tinha-se escondido tão bem, de todos, que apenas o silêncio lhe servia de companhia. Quem a poderia ajudar sem a julgar? Nem se atrevia a pensar. Era o saco emocional e físico onde ele descarregava. Tinha-a treinado para aceitar o que lhe fazia. Ela aprendeu. E isso era tudo. Não fazia ideia como desaprender.

Fora morta com violência, como tinha sido a sua vida nas suas mãos.
Um terramoto não avisa que vai engolir pedaços por inteiro, na vida da superfície da crosta terrestre. Avança, engole, rouba e provoca devastação e um impacto irreversível, na vida de quem sobrevive.

Ela tentou segurar a força devastadora da violência do terramoto que a atingiu. Fez o seu melhor. Sem nunca se ter dado a oportunidade de ser ajudada, ofereceu-se para o sacrifício de salvar o ego, a maldade ou a loucura dele.

A relação tinha-se tornado o lugar mais inóspito da sua vida e não chegara a tempo de a salvar.
Não conseguiu escapar ao que ele chamava amor.
Este amor mortal fora fatal para a sua vida.