Estende-me
a tua mão
Embrulha-me
no teu calor
Desconhecia
que respirar podia ser
Apenas
uma dor no peito
que
me prendia à vida
no
amor de te perder
na
permissão que te dei
para
me odiares em nome de um amor
perdido
e desconhecido da lei do amor
No
dia em que deixei
Que
a raiva do teu coração
Se
espalhasse dentro do meu ser
Ganhei
o gelo vindo da tua violência
Perdi
a minha mão, a minha vida, o meu chão
Só
me resta
Pedir-me:
devolve-me
para sempre a minha mão
Não
deixes que te amem assim, até que a morte vos separe. Violência não é amor. É
crime. É apenas violência.
Não
permitas que te aconteça.
Conto
escrito em homenagem às mulheres que morrem vítimas da violência doméstica:
Permissão
para te odiar com amor
«Pensa
em portar-te bem! Se contas a alguém juro que morres. Mato-te com as minhas
mãos foda-se!»
«Perdoa-me
meu amor amo-te, desculpa-me. Não sei o que me aconteceu…»
«Sem
ti não respiro…és toda a minha vida. Amo-te. Desesperadamente…»
Mila
já ouvira estas frases tantas vezes que se tornaram o seu mantra de vida. Desde
que os amigos não sonhassem…
Procurava
sempre esconder e já tinha a arte e a manha para o fazer. Anos de prática e
conseguia sempre encontrar uma desculpa para o que Luís lhe fazia. Há oito
anos. Estava exausta, mas não sabia o que haveria de fazer sem Luís.
Nem
com a sua vida…estava numa armadilha, sem um fio onde se agarrar para se puxar
para dela se escapar.
Não
se importava muito com a ameaça. Luís usava-a constantemente.
Mas
não a colocaria em prática. Amava-a disso tinha a certeza. Nunca a queria longe
por muito tempo. Tê-la na sua companhia era a vida dele. Ele precisava tanto
dela…
Raramente
viam amigos ou família. Ele sentia-se infeliz e só ela sabia. E a companhia
dela era a única que o deixava calmo. Também violento. Bebia cada dia mais.
Chorava agarrado à sua cintura: «Nunca me deixes, não sei viver sem ti, és a
minha âncora, o meu porto. O meu refúgio. A minha vida».
Depois
de lhe ter batido a primeira vez. Fora um estalo.
Descontrolou-se.
Por um pequeno nada.
Deu-lhe
um estalo.
Ela
perguntou-lhe porquê? Ele ficou paralisado. Abraçou-se a ela e chorou a pedir
desculpa usando pela primeira vez a frase que acabaria por ser um mantra:
«Perdoa-me meu amor amo-te, desculpa-me. Não sei o que me aconteceu…»
«Sem
ti não respiro…és toda a minha vida. Amo-te. Desesperadamente…»
Mila
era o único amor da sua vida. Compreendiam-se tão bem. Bastavam-se. Eram dois
serem numa única vida. Inseparáveis. No amor. No medo de se perderem. Como tantas
vezes o amor nos surpreende com o medo da perda do outro.
Mila
questionava-se como poderia ela viver sem o amor de Luís, tal como Luís lhe
dizia repetidamente…
Pouco
tempo depois de se começarem a amar, a vida deles juntos, tomou um novo rumo.
Estariam para sempre unidos. Eram o oxigénio que cada um precisava.
Mila
era o amor da vida de Luís. Este saber, vinha de dentro da sua pele. Sentia-o
nos ossos, na alma. Às vezes também lhe doía por tanto o amar.
Ele
retribuía esse amor. Estavam um para o outro em todos os momentos e
circunstâncias. Assim deveria ser num relacionamento. Era seu dever respeitar a
vontade dele. Em nome do amor.
Aos
poucos sucedia-se o descontrolo. Os estalos. Puxava-lhe o cabelo e arrastava-a
até ao chão. Pontapés. Pegava no cinto e batia-lhe nas pernas. Cada dia mais
sádico.
Amor
e ódio confundiam-se na sua cabeça. Pavor e angústia passaram a ser o seu drama
em cada dia.
Esconder-se
dos outros era a sua obsessão. Vergonha, medo, humilhação. Medo de o perder.
Medo dele…
Chorava
angustiada quando ele a abraçava a pedir perdão. E quando ele começava a
bater-lhe. Já nem sabia o motivo por que ele se descontrolava. Nem sabia o que
havia de fazer para lhe dar prazer e satisfação. Tinha perdido a criatividade
com o tempo.
Com
o tempo apenas lhe restava o medo de sair.
O
seu refúgio único era no desespero do seu medo: enquanto ali se
escondia,procurava constantemente uma forma de se defender da próxima
violência.
Secretamente
esperava que ele mudasse. Em nome do amor. Ele fazia sempre tudo por ela. Nunca
tinha querido outra depois de a conhecer.
Não
lhe podia pedir para procurar ajuda. Ele ficava ainda mais violento. Mais agora
que nunca. Mais agora que sempre. A culpa só podia ser dela.
Depois
de cada crise ele pedia perdão. O amor por ela era tanto…afirmava.
Ela
perdoava,porque sentia que o que ele lhe dizia era verdadeiro.
Mesmo
que não fosse, ela tinha desistido de procurar outra resposta. Estava morta por
dentro.
Tinha
tanto medo…queria desaparecer da face da terra. Ou que ele mudasse…para serem
felizes.
Em
vez disso, sucediam-se as crises violentas.
Estava
tão cansada de lutar. Nem sabia quem era o seu inimigo maior…Se ele, se ela
própria com o seu medo e vergonha.
Naquela
noite, ele estava zangado com alguma coisa. Ou sem razão nenhuma.
Ouvia-o
gritar a culpá-la. A dizer-lhe quanto era inútil.
A
voz dele chegava-lhe por entre o barulho dos seus soluços.
«Pensa
em portar-te bem! Se contas a alguém juro que morres. Inútil, mato-te com as
minhas mãos, foda-se! »
Atirara-a
para cima da cama e obrigou-a a fazer sexo. Cheirava a álcool como era seu
hábito. Ela pediu-lhe que não fizessem porque se sentia doente. Há muito que o
sexo entre eles tinha apenas uma forma de ser praticado. Sempre forçado.
Seguiram-se
injúrias, humilhações enquanto as lágrimas lhe corriam livremente e ela gritava
em desespero «por favor, não! deixa-me ir embora».
«Sua
puta é o que tu queres? Vais tê-lo…»
Tinha-se
escondido tão bem, de todos, que apenas o silêncio lhe servia de companhia.
Quem a poderia ajudar sem a julgar? Nem se atrevia a pensar. Era o saco
emocional e físico onde ele descarregava. Tinha-a treinado para aceitar o que
lhe fazia. Ela aprendeu. E isso era tudo. Não fazia ideia como desaprender.
Fora
morta com violência, como tinha sido a sua vida nas suas mãos.
Um
terramoto não avisa que vai engolir pedaços por inteiro, na vida da superfície
da crosta terrestre. Avança, engole, rouba e provoca devastação e um impacto
irreversível, na vida de quem sobrevive.
Ela
tentou segurar a força devastadora da violência do terramoto que a atingiu. Fez
o seu melhor. Sem nunca se ter dado a oportunidade de ser ajudada, ofereceu-se
para o sacrifício de salvar o ego, a maldade ou a loucura dele.
A
relação tinha-se tornado o lugar mais inóspito da sua vida e não chegara a
tempo de a salvar.
Não
conseguiu escapar ao que ele chamava amor.
Este
amor mortal fora fatal para a sua vida.
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