Desconsigo
entender a versão homo bronco 2.0...
-Não
vê que estou com um carrinho com uma criança e como tal tenho
prioridade no lugar (ou na bicha)?
(há
mulheres ou velhos que nem se atrevem por medo, a pedir o lugar que
lhes pertence por direito, mas eu não pertenço a essa classe).
-Não
tenho espelho retrovisor! Resposta que recebi de alguém que me viu
subir com esforço com um carrinho e uma criança para um autocarro.
-Então
feche-se em casa e atire fora a chave. Peça para sair quando
aprender a ser bem educado. Respondi eu.
Mais
respostas do género recebi de alguém num supermercado onde estava
com a mesma criança e o mesmo carrinho a quem mandei educadamente ir
aprender regras de como viver fora da selva onde este homo broncos,
muito bronco, se sub-desenvolveu.
Uma
forma de perceber o desenvolvimento de um país é por exemplo, andar
num transporte público, ou ir a um lugar comprar papas de aveia para
uma criança e observar o comportamento da espécie como qualquer
antropólogo social.
Por
cá está-se a tornar uma odisseia vergonhosa para qualquer cidadão
da espécie, quando se confronta com a sub-espécie (os politicamente
correctos e que acham que comi azedinhas podem-se já apagar da lista
de leitores).
Os
transportes: são quase inexistentes ao final de semana, sobretudo
fora da capital, não têm acesso para quem ande de cadeiras de rodas
ou carrinhos de bébés, não existem horários nas paragens, as
paragens são sujas e as pessoas nestes lugares...essas... são a
face visível da depredação: a inexistência quase absoluta de
cortesia, educação, simpatia e respeito.
Não
são culpados? São são! E muito!
Que
problema temos em implementar o tal Acordo Ortográfico? Como diz o
povo “assim como assim” o português já pobremente se fala e
escreve. Nem se cultiva. Lêem-se pasquins e os escritores famosos
escrevem romances de cordel. E o enredo continua por este caminho…por
aqui se mede também o desenvolvimento e para tanto basta ver e ouvir
as pessoas a falar e escrever.
As
empresas contratam apenas a recibos da falsa cor da esperança, pagam
despudoradamente abaixo de qualquer valor capaz de dignificar a vida
humana e o ambiente nos locais de trabalho são lâminas onde nem
faquires gostariam de treinar números de circo.
Proliferam
as ofertas de “workshops” e conferências de gente que engana
meio mundo vendendo ideias e sonhos falsos:
-
“vais ser feliz a fazer uma coisa qualquer que nunca fizeste porque
te fizeste de vítima no passado e não estás presente no agora”.
Recomendação
final destes seminários: recicla-te e descobre que és a “última
bolacha do pacote” em dia de fome.
E
quem busca um pouco de alegria e felicidade não a encontra aqui
(quase que podia jurar)!
Por
aqui também se mede o desenvolvimento do país...
Quarenta
e um anos se passaram e estamos no ponto de não retorno. Os que saem
jovens do país não voltarão. Receberam formação cá, fruto do
investimento de todos, vão ter filhos onde quer que sejam bem
acolhidos e, vão dar os seus melhores anos produtivos como
profissionais e como seres humanos por terras além desta jangada à
deriva. E fazem bem. Além do mais não têm mesmo alternativas.
Os
mais velhos como eu também obrigados a sair além da Taprobana
ficam-se para morrer pela Ilha dos Amores, como recompensa pelo muito
que deram e nada receberam da sua Ítaca.
Voltar?
Só por motivos maiores.
Pelo
que sei os que não voltam já nem saudades têm a não ser da
família,dos amigos e do clima. Se vingam fora de portas podem
comprar o vinho alentejano e o queijo que é exportado.
Não
sinto saudades dos cenários com que me confronto de cada vez que
regresso.
Os
ciclopes e os lestrigões ficaram todos pela Ítaca.
As
alternadeiras de serviços conseguiram o que queriam e sabiam o que
faziam:
-deixar
Ítaca mais pobre para que nada tenha que dar. E é perante este mal
que quase me torno Poseídon em ira.
O
que nos sobra é gente mal educada, sem princípios e sem vergonha,
de ser gente medíocre, pedinte e pequena igual aos seus governantes?
Como Camões nos conhecia bem...
São
os mercadores de Veneza que proliferam, são os vendedores de banha
da cobra que vingam, são os vendilhões do empreendedorismo (como
detesto a palavra) que singram.
São
todos aqueles que se escondem atrás da máscara do chefe possidónio
que nada sabe sobre pessoas e sobre a vida. Sabe de rácios e de
excel. E às vezes pouco sabe do trabalho que executa.
Em
todos as áreas as pessoas entregaram-se ao “deixa andar”.
Pensar
para quê?
Este
é o terreno fértil para o domínio dos cíclopes. A terra é de
cegos.
Não
podíamos estar pior. Somos todos adultos sofredores dos piores
síndromas: de défice de atenção (superior à dívida pública) e
de Estocolmo (adoramos os nossos carrascos).
Neste
mercado de prostitutas e chulos naturalmente que há “nichos” de
gente séria e boa e, para esses, vai a minha total admiração.
Ou
são tontos e deles será o reino dos céus junto dos anjos a tocar
harpa, o que pode ser um final do mais aborrecido que há, ou são
quase crentes num segredo escondido. E vão ter um desilusão.
Sinto-me
miserável com as alternativas e nem sei em qual dos grupos me
insiro.
Souberam
fazer tão bem as coisas que aos poucos, durante quarenta e um anos,
empurraram um povo inteiro para dormitórios/guetos e bairros de
cimento, feios, envelhecidos e descaracterizados, sem árvores, sem
beleza, com poucos transportes e degradados (como se estivéssemos
nos anos 60).
Este,
subjugado por horas de trabalho a mais, perda de horas de vida em
bichas de trânsito infernais e horas de lazer a menos, por meia
dúzia de tostões e muitas dívidas, com poucos estudos, pouco
acesso a livros, a cultura, a música, às artes em geral, perdeu-se
e os que mandam conseguiram actualizar o embrutecimento de um povo
envelhecido, triste e hoje totalmente desamparado.
Que
gosta de si assim mesmo. Porque nem pensa, nem quer, nem sonha em
mudar.
A
espécie homo broncos, incluindo
o exemplar
que “não tem espelho retrovisor” deveria estar em extinção,
mas é afinal o contrário do rinoceronte branco. O primeiro existe
como capim na Gorongosa. O segundo está extinto.
Sinto-o
andando nas ruas fora da capital, linda, com os escaparates cheios de
prémios de turismo e, turistas a tropeçarem nos sem abrigo, nas
obras, na sujidade e no ar desiludido, vencido, deprimido e
deseducado deste povo que aguenta, passivo e submisso sem
possibilidades de sair desta roda maldita com 1001 sombras de
cinzento. Muito cinzento.
Ítaca
torna-me sempre mais rica porque me dá viagens. Mas
ela
própria se
vai
empobrecendo.
No
fim
ainda não a entendo. Talvez Kavafis
não tenha razão e nunca
a venha a entender por mais viagens que cumpra.
Ainda
agora regressei e já tenho vontade de me juntar ao IS como kamikaze.
A minha intolerância à estupidez mantém-me ferrenha adepta do
estalo e da contestação.
A
proliferação da semente maligna e com patente, que não cede lugar
ao desenvolvimento e, tem no seu programa apenas a actualização da
versão do tuga broncos 2.0.
Que
começa por quem os quer assim, para mais fácil reinar. Porque essa
versão da espécie permite o
seu próprio “downgrade”.