segunda-feira, 8 de junho de 2015

Homo broncos bronco 2.0: o tuga


Desconsigo entender a versão homo bronco 2.0...

-Não vê que estou com um carrinho com uma criança e como tal tenho prioridade no lugar (ou na bicha)?
(há mulheres ou velhos que nem se atrevem por medo, a pedir o lugar que lhes pertence por direito, mas eu não pertenço a essa classe).
-Não tenho espelho retrovisor! Resposta que recebi de alguém que me viu subir com esforço com um carrinho e uma criança para um autocarro.
-Então feche-se em casa e atire fora a chave. Peça para sair quando aprender a ser bem educado. Respondi eu.
Mais respostas do género recebi de alguém num supermercado onde estava com a mesma criança e o mesmo carrinho a quem mandei educadamente ir aprender regras de como viver fora da selva onde este homo broncos, muito bronco, se sub-desenvolveu.

Uma forma de perceber o desenvolvimento de um país é por exemplo, andar num transporte público, ou ir a um lugar comprar papas de aveia para uma criança e observar o comportamento da espécie como qualquer antropólogo social.
Por cá está-se a tornar uma odisseia vergonhosa para qualquer cidadão da espécie, quando se confronta com a sub-espécie (os politicamente correctos e que acham que comi azedinhas podem-se já apagar da lista de leitores).

Os transportes: são quase inexistentes ao final de semana, sobretudo fora da capital, não têm acesso para quem ande de cadeiras de rodas ou carrinhos de bébés, não existem horários nas paragens, as paragens são sujas e as pessoas nestes lugares...essas... são a face visível da depredação: a inexistência quase absoluta de cortesia, educação, simpatia e respeito.
Não são culpados? São são! E muito!

Que problema temos em implementar o tal Acordo Ortográfico? Como diz o povo “assim como assim” o português já pobremente se fala e escreve. Nem se cultiva. Lêem-se pasquins e os escritores famosos escrevem romances de cordel. E o enredo continua por este caminho…por aqui se mede também o desenvolvimento e para tanto basta ver e ouvir as pessoas a falar e escrever.

As empresas contratam apenas a recibos da falsa cor da esperança, pagam despudoradamente abaixo de qualquer valor capaz de dignificar a vida humana e o ambiente nos locais de trabalho são lâminas onde nem faquires gostariam de treinar números de circo.
Proliferam as ofertas de “workshops” e conferências de gente que engana meio mundo vendendo ideias e sonhos falsos:
- “vais ser feliz a fazer uma coisa qualquer que nunca fizeste porque te fizeste de vítima no passado e não estás presente no agora”.
Recomendação final destes seminários: recicla-te e descobre que és a “última bolacha do pacote” em dia de fome.
E quem busca um pouco de alegria e felicidade não a encontra aqui (quase que podia jurar)!
Por aqui também se mede o desenvolvimento do país...

Quarenta e um anos se passaram e estamos no ponto de não retorno. Os que saem jovens do país não voltarão. Receberam formação cá, fruto do investimento de todos, vão ter filhos onde quer que sejam bem acolhidos e, vão dar os seus melhores anos produtivos como profissionais e como seres humanos por terras além desta jangada à deriva. E fazem bem. Além do mais não têm mesmo alternativas.
Os mais velhos como eu também obrigados a sair além da Taprobana ficam-se para morrer pela Ilha dos Amores, como recompensa pelo muito que deram e nada receberam da sua Ítaca.
Voltar? Só por motivos maiores.

Pelo que sei os que não voltam já nem saudades têm a não ser da família,dos amigos e do clima. Se vingam fora de portas podem comprar o vinho alentejano e o queijo que é exportado.
Não sinto saudades dos cenários com que me confronto de cada vez que regresso.
Os ciclopes e os lestrigões ficaram todos pela Ítaca.
As alternadeiras de serviços conseguiram o que queriam e sabiam o que faziam:
-deixar Ítaca mais pobre para que nada tenha que dar. E é perante este mal que quase me torno Poseídon em ira.

O que nos sobra é gente mal educada, sem princípios e sem vergonha, de ser gente medíocre, pedinte e pequena igual aos seus governantes? Como Camões nos conhecia bem...

São os mercadores de Veneza que proliferam, são os vendedores de banha da cobra que vingam, são os vendilhões do empreendedorismo (como detesto a palavra) que singram.
São todos aqueles que se escondem atrás da máscara do chefe possidónio que nada sabe sobre pessoas e sobre a vida. Sabe de rácios e de excel. E às vezes pouco sabe do trabalho que executa.

Em todos as áreas as pessoas entregaram-se ao “deixa andar”.
Pensar para quê?
Este é o terreno fértil para o domínio dos cíclopes. A terra é de cegos.

Não podíamos estar pior. Somos todos adultos sofredores dos piores síndromas: de défice de atenção (superior à dívida pública) e de Estocolmo (adoramos os nossos carrascos).
Neste mercado de prostitutas e chulos naturalmente que há “nichos” de gente séria e boa e, para esses, vai a minha total admiração.
Ou são tontos e deles será o reino dos céus junto dos anjos a tocar harpa, o que pode ser um final do mais aborrecido que há, ou são quase crentes num segredo escondido. E vão ter um desilusão.
Sinto-me miserável com as alternativas e nem sei em qual dos grupos me insiro.

Souberam fazer tão bem as coisas que aos poucos, durante quarenta e um anos, empurraram um povo inteiro para dormitórios/guetos e bairros de cimento, feios, envelhecidos e descaracterizados, sem árvores, sem beleza, com poucos transportes e degradados (como se estivéssemos nos anos 60).
Este, subjugado por horas de trabalho a mais, perda de horas de vida em bichas de trânsito infernais e horas de lazer a menos, por meia dúzia de tostões e muitas dívidas, com poucos estudos, pouco acesso a livros, a cultura, a música, às artes em geral, perdeu-se e os que mandam conseguiram actualizar o embrutecimento de um povo envelhecido, triste e hoje totalmente desamparado.
Que gosta de si assim mesmo. Porque nem pensa, nem quer, nem sonha em mudar.

A espécie homo broncos, incluindo o exemplar que “não tem espelho retrovisor” deveria estar em extinção, mas é afinal o contrário do rinoceronte branco. O primeiro existe como capim na Gorongosa. O segundo está extinto.

Sinto-o andando nas ruas fora da capital, linda, com os escaparates cheios de prémios de turismo e, turistas a tropeçarem nos sem abrigo, nas obras, na sujidade e no ar desiludido, vencido, deprimido e deseducado deste povo que aguenta, passivo e submisso sem possibilidades de sair desta roda maldita com 1001 sombras de cinzento. Muito cinzento.

Ítaca torna-me sempre mais rica porque me dá viagens. Mas ela própria se vai empobrecendo.
No fim ainda não a entendo. Talvez Kavafis não tenha razão e nunca a venha a entender por mais viagens que cumpra.

Ainda agora regressei e já tenho vontade de me juntar ao IS como kamikaze. A minha intolerância à estupidez mantém-me ferrenha adepta do estalo e da contestação.

A proliferação da semente maligna e com patente, que não cede lugar ao desenvolvimento e, tem no seu programa apenas a actualização da versão do tuga broncos 2.0.

Que começa por quem os quer assim, para mais fácil reinar. Porque essa versão da espécie permite o seu próprio “downgrade”.

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