sábado, 27 de junho de 2015

Ser mulher

E por falar em mulheres...
Esta é uma história para mulheres. Porque se trata de um conto contado por estrogénios.
E sobre o capitalismo.
Os estrogénios são o capital feminino.
A menopausa e o capitalismo têm alguma relação? Vou de passagem dar algumas pistas.
A sua substância é a mesma. Com uma consigo explicar o outro. E vice versa.
Um nasce para produzir dinheiro que traz riqueza ao capitalista (até esgotar o ser humano que a produz). Estaria bem se no fim a riqueza fosse distribuída.
A outra nasce para produzir uma hormona, o estrogénio, que traz a riqueza de poder gerar filhos, do desejo sexual até se esgotar no corpo que a produz.
Está certo, é assim que a natureza funciona.
Como num relacionamento que conta uma história entre duas pessoas de naturezas complexas e diferentes, vou contar uma história. Da menopausa.
Um dia, aos oito anos de idade assisti a um grupo de trabalhadores frenéticos chamados estrogénios abrir uma fábrica usando o meu corpo como lugar para ficar. Fez-me desorientar, ficar feliz e desesperada por não saber o que se estava a passar no meu corpo. Tinha sido alvo de um ataque terrorista, sem prévio aviso ou conhecimento, sobre o trabalho que iria decorrer deste fenómeno de ocupação.
A natureza seguiu indomável o seu curso, mensalmente retirando uma taxa sobre óvulos não concebidos e mais tarde devolvendo em dividendos os que conseguiu vender a quem o fertilizou.
Fez bem o seu trabalho por muitos anos, mas tudo tem um fim.
O corpo/fábrica de tanto ser explorado, chega ao momento de se retirar da produção. E fecha o seu ciclo.
Algures o patrão dá ordem de encerramento. Não sem antes se manifestar algumas vezes violentamente contra o encerramento.
Protestos sob a forma de afrontamentos (o estrogénio regula a temperatura do corpo), suores frio, secura, perda de apetite, falta de desejo, engordar ou emagrecer sem se comer mais (mesmo que se deixe de ir aos fast-food) ou sem se deixar de ir aos fast-food, mudanças de humor (os esterogénios ajudam à fixação e equilíbrio da serotonina-neurotransmissor responsável pela regulação do humor, do sono, do apetite, do bem estar), humor esse que varia entre o querer matar os filhos e os colegas e o chorar perante qualquer gato fofinho que se enrosque nas pernas.
Ou o contrário: abraçar os filhos quando estes bateram na avó, chorar sem razão e querer atirar paus aos gatos fofinhos. Ou matar os patrões abusadores também cabe nestes momentos.
Se não couber, diga que está com a menopausa! E avance a matar!
Tal e qual como numa ressaca de drogas e de álcool. Ou de um capitalista que perde milhares de acções na bolsa.
A vontade de suicídio é superior à vontade de sobreviver no mundo hostil da falta de estrogénio. Ou da falta de dinheiro e trabalho no sistema capitalista.
Mas não se desesperem. Esperem um pouco. Respirem fundo. É apenas o estrógénio a deixar o corpo. É apenas um ciclo que termina para dar inicio a outro.
Tal como fiquei bêbeda desequilibrada e com o início do ciclo com a invasão de estrogénios, também me embebedei e desequilibrei com o desaparecimento em massa e repentino da hormona.
Amaram-me e desamaram-se sem pedir licença e sem aviso prévio. Apenas respeito pela própria natureza.
No capitalismo existe o mesmo tipo de amor e de desamor repentino e sem licença.
No meu caso, tivemos um caso intenso quando me invadiu e se instalou e, quando partiu desaparecendo para nunca mais voltar.
À partida e à chegada nem "lobolo" houve (oferendas que se faz em África aos pais da noiva quando de um pedido de casamento).
A menopausa pode provocar desequilíbrios profundos e mais difíceis de gerir e acomodar que a puberdade.
Porque a fábrica naturalmente encerra com o cansaço e o desgaste próprio e natural da idade. Sobretudo nos processos violentos e inesperados.
Dizem que começa a idade da sabedoria, da leoa e claro das maravilhas libertadoras de uma vida sexual sem riscos e de algumas perturbações da saúde dos ossos e até perturbações mentais.
Eu confirmo. Recebi a indemnização total por anos de serviço sem falhas e o pacote completo dos efeitos da reforma prematura acima descritos.
Despi-me em público num inverno rigoroso por causa de um afrontamento, numa reunião num local pouco aquecido...A reunião parou e eu vermelha, a suar pornograficamente expliquei perante os olhares assustados das mulheres e perplexos dos homens: estou na menopausa!
Ninguém acreditou!
Continuei já em soutien: sou uma doida feminista por falta de estrogénios e queria os meus 15 minutos de fama...
Sossegaram e a reunião continuou não sem me olharem de lado. Deixaram de me olhar como uma pessoa "normal". Agradeci ao afrontamento!
Por isso, não desesperem, nem se limitem. Se não se tornarem mulheres mais sábias e leoas, certamente serão livres e doidas.
O único estado que quero.
Não sofram sozinhas, nem tenham medo de se expor. Conversem com as pessoas amigas à vossa volta, os médicos, os companheiros, os filhos e até com os patrões (se alguém vos tirar a almofada com a qual o iam sufocar), abanem-se e refresquem-se e de preferência não substituam a hormona natural por um estrogénio químico.
O corpo sabe o que faz e faz o que está programado para fazer.
Ser mulher...é conter em si a verdadeira essência do capitalismo.
Mesmo quando se fica sem estrogénio não se perde o poder de ser infinitamente rica e distribuir riqueza.
Sejam felizes. Sejam (o que diz a origem da palavra latina oestrus): fúria poética.


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