Hoje associo ao meu texto o discurso de Charlie Chaplin em “o grande
ditador” com clips e musica numa belíssima e sensível montagem do meu jovem
amigo Pedro Pereira.http://www.youtube.com/watch?v=_60W9vjeeTA
Tive avós. Como numa qualquer família normal. Avós a sério. Capitalistas.
Como exemplo tive uma avó que vendeu donuts, cozeu vestidos antes de
existir a ideia de alta costura na Guiné-Bissau e criou 10 filhos. Muitos dos 40 netos cresceram com
ela.
Outra avó foi actriz e pianista. Um avô foi da marinha mercante e mais
tarde teve o seu táxi. Gostava de passear e de conhecer pessoas. Ensinava a todos
muitas das coisas que tinha aprendido com a vida. Todos queriam aprender com
ele.
Os meus avós tiveram vidas ricas. Verdadeiros capitalistas, valiam como
pessoas, com o que criavam para os que os rodeavam.
Só lhes conheço mais-valias tamanho o lucro que lhes conheci em dignidade.
Como tantos outros.
Viram famílias amigas e souberam de outras desconhecidas a perderem os seus
filhos para as 2 guerras mundiais, para a guerra colonial e muitas outras circunstâncias
paralisantes, entre elas o espectro da pobreza.
Uns avós em África outros na “metrópole”. Onde o desenvolvimento se fez
tarde.
As mulheres não votavam, mas trabalhavam tanto ou mais do que os homens. Para
a família. Davam tudo o que tinham e sabiam.
Passaram por circunstâncias de vida que lhes enrugava a pele do corpo.
Mas estes meus avós com todo o desespero e decepções que a vida lhes trouxe
não perderam a capacidade de resistir às adversidades.
Sabiam que não podiam deixar que as adversidades lhes enrugassem a alma.
Era imperioso para a sua sobrevivência. Sabiam o que era vital para a vida.
Nunca ficaram paralisadas pelas perdas e lutas que tinham de enfrentar.
Nunca as adversidades os tornaram seres frágeis e passivos, porque resistir
e ultrapassá-las era tudo o que poderiam transmitir aos seus legados: filhos e
netos.
Foram parte da construção de Nações. Os meus avós e todos os avós.
Viram filhos e netos partir, a fugir de guerras e a dor foi impensável.
Viram filhos ser presos por lutarem pela liberdade. Uns perderam a vida. E
a dor passou a ser inimaginável.
Recompuseram-se e encontraram onde não supunham existir, forças para
aceitar as dores e mudar a vida, transformando-a em algo de que se pudessem
orgulhar. Foram jovens antes de serem velhos e outras batalhas travaram, para
que o entusiasmo os fizesse chegar ao outono da vida.
Os filhos hoje também são avós, trabalharam muito numa sociedade já
bastante evoluída que eles nos deixaram.
Que vem de um tempo em que se morria cedo, em que a esperança de se ter
saúde, educação e justiça para todos era uma miragem, ou poucos sabiam das suas
infinitas possibilidades.
Descontavam e não esperavam nada de ninguém. Apenas que os seus os
tratassem com dignidade.
Os seus que são a família, comunidade, sociedade.
Todos os avós que chegaram ao seu outono, hoje perdem a esperança em ver
chegar o inverno.
Porque os filhos e os netos deles os roubam.
Deixando-os ao abandono nos corredores dos hospitais, nas enfermarias, nos
lares ou nas suas próprias casas como se não tivessem tido história. Ou
tirando-lhes o pouco rendimento que têm.
Como se não fossem parte da nossa história e tivessem passado pela vida sem
a ela se entregarem.
Fizeram-no também por nós, os seus filhos, netos e bisnetos.
Os meus avós e hoje os meus velhos pais merecem que eu os honre e tenha
esperança em que um novo invento surja: um mecanismo que nos torne menos
obedientes e serviçais perante os homens que detém o poder.
O mecanismo que encontrarmos tem de ser uma arma infalível de anulamento do
poder que têm esses outros que se esqueceram dos seus velhos, para bem da nossa
sobrevivência. Pelos nossos filhos e netos.
Aqueles que hoje se apoderaram do poder, e, parecendo que não tiveram avós
nem pais, roubam despudoradamente a dignidade dos velhos, que a muitos é tudo o
que lhes resta, mesmo que nos seus olhares ao desânimo se tenham entregado.
Hoje “há mais frutas num frasco de shampoo do que no prato de muitas
crianças” e, do que no prato dos nossos avós.
Temos pela frente um desafio gigante à nossa criatividade, inteligência,
capacidade de adaptação e preservação da espécie. De combate a quem nos
pretende aniquilar. E aniquilar os nossos avós e pais velhos.
Como os nossos avós fizeram.
Neste jogo sobrevivem os que melhor se adaptarem e criarem resistências.
Como a cana de bamboo, dobra-se com a força do vento mas não parte. E,
volta à sua forma primitiva muito mais resistente e digna.
Duvido que os que roubam o pouco dos meus velhos, tenham tido este tipo de
avós bamboo. Se tiveram então nada aprenderam sobre capitalismo.
Sou mais do que o valor que tem o meu trabalho, ou o produto que dou como
resultado do meu trabalho, como somos hoje medidos na sociedade
descontroladamente capitalista e sem mapa.
A mais-valia ou lucro da minha vida mede-se pelo valor da honra e da dignidade
que os meus avós e pais me deixaram.
Mede-se pelo trabalho que faço e que não é contabilizado pela empresa-sociedade,
em prol da minha família, dos meus amigos, da minha comunidade, do macro-cosmos
onde me insiro.
Essa é a minha única empresa-sociedade a que quero pertencer. Em nome deles
e de responsabilidade ilimitada pelos restantes da minha espécie.
E acabar com aqueles que querem com eles e comigo acabar.
Para nunca ter rugas na pele da minha alma.
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