"Não é
possível dizer-te sempre coisas novas,
nem te é necessário ouvi-las.
O que importa é que sejas sempre novo,
que te desprendas cada dia do homem-velho,
e que a cada dia tornes a nascer." Santo Agostinho
nem te é necessário ouvi-las.
O que importa é que sejas sempre novo,
que te desprendas cada dia do homem-velho,
e que a cada dia tornes a nascer." Santo Agostinho
Prometeram a festa do homem novo. Feita
da promessa de uma vida em terra nova.
A a vida na pele de homens e mulheres era
sofrida e muitos ofereciam-na como sacrifício pela liberdade.
Em troca da livre expressão e da livre
escolha.
Em troca de terra. Em troca de casas
com casa de banho e água corrente.
Eu trocava o retrato do Américo Tomás
nas costas da professora na sala de aula, as reguadas, os ponteiros na cabeça e
as orelhas de burro.
Em troca do progresso e de deixar no
passado a filosofia “pobretes e alegretes”. A filosofia de mentes castradas e
carregadas de preconceitos conforme fora ensinado, inculcado e moldado.
Sem polícias políticas, sem a morte de
filhos em guerras em nome de um império sem sentido. Sem prisões e sem
torturas.
Eu não sabia do homem novo que estava
para nascer. Estava prestes a celebrar 10 anos mas já tinha sofrido vários
tipos de descriminações na escola e na rua. E trocava-as por um homem novo que
não descriminasse.
O “povo” vivia com dificuldades sem fim
à vista. Oprimido, medroso, sem queixumes nem “pieguices”. Sabemos porquê!
Vivíamos abaixo das possibilidades da
liberdade e de uma vida desafogada.
Não sendo este povo constituído na sua
essência ou espírito da massa rebelde ou revolucionária, não teve dúvidas em ficar
na rectaguarda dos militares e tornar-se a vanguarda ao sair a gritar liberdade,
no dia em que acordámos com um homem novo numa terra nova.
Foi o que eu testemunhei quando saí para
ver as colunas de Chaimites. Alegria, lágrimas, lenços a abanar. Também
silêncio e preocupação. A incerteza do desconhecido gerava temor.
O meu avô falava-me de um homem novo,
de uma terra nova. Ria-se de alegria. «Caíu o fascismo minha filha» disse-me. «Vem
aí a democracia». Era um homem atento, culto e alimentava o sonho de me ver
crescer em liberdade.
Nas minhas terras em África o sonho também
era viver em liberdade numa terra nova feita por e com homens novos.
Vi toda a
família refugiar-se e amontoar-se como podia ao ser obrigada a vir para
Portugal, na maior aflição que o coração pode viver. Fugidos, sacudidos das
suas terras de uma vida inteira.
Ninguém os queria. Nem cá, nem lá. Eram
colonizadores, eram exploradores, eram colonizados, eram gente comum que nenhum
mal fazia e queriam apenas viver em paz e liberdade nas suas terras.
Num processo de fuga de guerras ainda
hoje mal entendidas e mal explicadas. Até hoje, não expurgadas.
Já não entre irmãos tugas e turras, mas
entre irmãos locais. Mas sempre irmãos.
Começadas pelos “turras” como eram
chamados quando de lá saí muito pequena. Os turras lutavam pela independência
dos seus territórios. Dos irmãos da “metrópole”.
Estes últimos odiavam de igual modo ir
combater aquelas guerras e deixar que a terra se turvasse com mais sangue do
mesmo vermelho. E não ganhavam nada com aquela bestialidade. Nem o dinheiro
chegava.
Cá e lá, cada um conseguiu vencer a sua
batalha. O Império caíu. O fascismo foi vencido, as batalhas fora de portas
terminaram.
Iniciou-se cá uma guerra interna política,
económica, financeira e social. Ainda hoje não vencida.
Lá, os movimentos de libertação
venceram as batalhas. Iniciaram lutas internas. De sangue, política, económica,
financeira e social.
Numa guerra ainda hoje não vencida.
Hoje cá e lá, voltámos a ser pobres economicamente
e eu não estou nada alegrete. Nem sequer tenho a alegria de ter liberdade de
escolha.
Continuamos abaixo das possibilidades, porque numa «economia
que sendo feita pela comunidade que são os homens» esta foi desbastada, desbaratada
e roubada pelos falcões, abutres e chicos-espertos que se preparavam traiçoeiramente
para rasgar a bandeira da conquista do homem novo, na terra nova.
A 24 de Abril de 74 rasgava botões da bata da escola
quando me insultavam por ser diferente. A 25 de Abril de 2014 continuo a rasgar
o que for preciso para me comprometer com a integridade e com a honestidade da
promessa.
Junto daqueles que acreditam que o esforço dos que me
antecederam é a vanguarda do homem novo, numa terra que quero nova. Porque esta
tornou-se cancerosa e só lhe resta um caminho, a extirpação das células
malignas.
Nesta minha terra livre cá de onde o meu tetravô saiu de navio para ir para a minha outra terra lá, casar com a outrora escrava e
depois colonizada negra do musseque, e, fez nascer filhos pele açafrão, olhos
cacau e sangue vermelho, saúdo o 25 de Abril e os homens e mulheres que o fizeram.
Tenho todas as razões para buscar um novo paradigma. Em
liberdade e por conseguimento do 25 de Abril. Para tornar a nascer como um
homem/mulher novo. Nem que seja de assalto, num Chaimite, nas escadas da AR.
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