Na espuma dos nossos dias,
Nos meus pensamentos retalhados nesta nação retalhada e
em ruínas hoje quero plantar como heróis, pessoas comuns.
Como os que vão fazer o cordão à volta da casa de um
homem nobre e comum de nome Aristides de Sousa Mendes, para que esta não caia. Porque
ele foi e é um herói.
Como os milhares com nome, mas que não são famosos e
salvam outros como eles sem fazer ruído. Nem sequer barulho. E vêm as suas
casas ruir bem como as muitas que ajudam a salvar.
Apesar do país já ter ruído.
Autorizámos a alienação de gente de todas as idades.
Não deixámos espaço para a renovação do povo luso por gerações vindouras já que
os nascimentos não vão acontecer por cá, e, quem nasce por lá por esse
estrangeiro fora já não volta.
E a nação vai ruindo, nas encostas do perigoso
capitalismo que mais parece uma catástrofe natural daquelas que varrem países
no Índico.
Autorizamos o pagamento de uma dívida fraudulenta que
não contraímos e que vai bem para lá das nossas possibilidades. Dívida essa que
não quero reestruturada, quero antes sim, auditada.
Nesta nossa vida cautelar e penhorada, autorizamos duzentos
e tal peçonhentos a olhar exclusivamente para os seus umbigos/partidos.
Com uma presidente que faz parelha com um presidente, quais
camelos sarnentos do circo, que de vila em vila leva o insustentável peso frustracional
do inconseguimento de os ver cair ao mar.
Autorizamos uns asnos chico-espertos e carracentos, lacaios
da alemã peluda e de uns senhores bem-postos e para os quais ainda não
descobrimos vacina, a pegar fogo ao circo.
Autorizamos as donas brancas a fazer a caridade de nos
deixar viver em duodécimos. Caímos limpinho limpinho no conto do vigário, tão
antigo quanto a prostituição.
Autorizamos que “aos pobres prescrevam os
direitos, aos ricos que prescrevam os crimes”.
Hoje só não sabe, não vê, não lê, não ouve, não sente,
quem não quer. Excepto os lobotomizados que querem entrar no concurso do Audi.
Desses é o reino dos céus. Das gasolineiras e das manutenções.
Se com novas leis se alienam bens a simples e comuns suspeitos
de um crime qualquer,mesmo que venham a ser ilibados pelo tribunal, deixamos
soltos, a viver à tripa forra os verdadeiros criminosos e ainda lhes pagamos as
dívidas.
Algum tribunal foi buscar bens a…(não preciso citar
nomes porque dava um volume igual ao do Guerra e Paz de Tolstoi), enquanto a
vida dos artistas de circo, os que fazem o espectáculo (nós) arde?
Os gurus que idolatramos e transformamos em famosos são
“empreendedores” (palavra de merda) matreiros, cheios de lábia, que se “alavancam”
(outra palavra sinistra e de merda) em embustes vários para gamar e curtir à
grande. Enquanto os artistas morrem no fogo.
Não apenas parecemos asnos como o somos.
Deve ser mal da escola. Sabemos todos que a edução é a
nossa arma de defesa e de arremesso. E sabemos que a escola é uma merda. Está
longe de deixar os artistas pensarem sozinhos e criarem. Assim é mais fácil
manter os animais nos curros (morada conjunta dos escravos).
Mas as gentes comuns capazes de actos nobres podem
alguns não ter sequer escola. Outros sim e lutam ferozmente. Outros quase casualmente
arriscam e dão o corpo às chamas.
São as pessoas comuns que não se fazem valer de nada a
não ser da sua capacidade de entrega e empatia pelos outros. São os que
desenvolvem a “inteligência emocional” e a sensibilidade.
São os que eu gosto verdadeiramente. Porque como eu
amam a liberdade. A de escolher. Aquela que nos roubam todos os dias.
Aristides Sousa Mendes, Salgueiro Maia, Egas Moniz, Saramago,
Natália Correia, Zeca Afonso, Eça, Pessoa, ou o Manel bombeiro, o José que fez
o 25 de Abril e não disparou contra as pessoas, o António e a Joaquina que
resistiram às torturas da PIDE nas prisões e tantos outros que não se
preocuparam nunca com a medição do sucesso. Existiram e deram propósito à
existência para defenderem com a vida a vida dos outros que não conheciam.
Estes são os meus heróis. Verdadeiramente importantes
mesmo quando não são famosos, ou não venham nas revistas ou apareçam na tv. São
o meu conceito de dignidades panteáveis.
Em nome da liberdade não quero que a memória os perca.
Todos são Património imaterial da Humanidade. Por razões de decência e pela nobreza
de carácter. Porque eles e elas são um exemplo evoluído da espécie.
Hanna Arendt disse-nos que a banalização da violência
torna-nos a nós homo sapiens, pouco sapiens e cúmplices da violência.
Cometendo-a sobre os nossos semelhantes.
Até agora alguns boçais por razões que me ultrapassam vão
escapando ao karma. São os embusteiros que empreendem à custa da bicharada nos
curros.
São os outros que fazem questão de nem salvar nem
dignificarem a memória dos bons.
Sinto-me agradecida a estes bons e nobres. E por eles também,
sinto-me desajustada, incapaz de encontrar respostas ou controlar o que quer
que seja, mas cheia de raiva. Aquela que preciso para no meu caso, escrever.
Na minha troikaville os átomos que modelam a ferida quando
sofremos por um amor que nos rejeita, diz ai é? dei-te o meu melhor e tu fodes-me?
Planto o meu “wishful thinking” aos embusteiros em nome dos meus heróis:
-Enquanto é tempo, atirem-se ao mar e diguem que vos
empurrarem. “Karma´s a bitch”.
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