quinta-feira, 8 de maio de 2014

Impressões das estrelas em dois actos




I)
-Achas que estamos sós?
-Não seria pretensioso da minha parte neste imenso espaço de luz imaginar que estamos sós?
-Parece-me que somos exactamente isto, não mais do que isto, pó. O que é largado pelas estrelas quando deixam o firmamento e caiem no nosso chão…juntam-se a partículas, átomos e formam a energia que nos dá corpo.
-Por isso algum cientista disse que esta é a forma do cosmos se auto-conhecer. Através de nós, em nós. Sendo indivisível dele e uno com ele. Pó…de estrelas.
-Gosto da ilusão de fazer parte de um átomo que se experimenta na minha forma. Na tua forma. É ter a ilusão de ser tão grandioso e absoluto quanto o cosmos.
-Neste caos com ordem símbolo as nossas vidas, sabiamente como na natureza, as partículas de pó organizaram-se em leis incorruptíveis. Quando são trespassadas na sua profunda e perfeita beleza, submergem-nos aniquilando-nos. Ele o cosmos, eu e tu somos parte um do outro mas ele sabe bem mais do que nós.
-Que esperavas? Ser o cosmos tem as suas vantagens.
-Então o cosmos só pode ser como um poeta, um escritor, um músico. É um compositor que no auge da paixão se diverte a criar formas, em ligar partículas, em formar palavras em conceber beleza a partir de toques de magia e calçá-los com sapatos delicados de bailarina para percorrer caminhos por entre as nuvens. Em busca de rasgos de luz. A essência da alma encontra-se nesses traçados a pincel.
-Vemo-los nas grandes obras de arte e também nas pequenas e simples coisas da vida. Como o amor. Que buscamos para pertencer ao todo e para nos diferenciar como estrela.
II)
No silêncio falo tanto contigo! Sim, acabaste de me confessar que as palavras tomaram o doce sabor da liberdade e já não as podes retirar. Ver-te dançar, isso sim. Foi nesse momento. Foi vislumbrar a perfeita via láctea na noite, sem as luzes da cidade. O teu corpo como um templo foi um labirinto delicadamente esculpido. Onde mãos e lábios macios se perdem com a avidez de quem se quer lentamente esconder para sempre, enquanto o tempo quer passar o tempo que demorar uma vida sem tempo. Eu parei com ele.
Parámos juntos e ficámos a noite inteira num lugar onde nem o tempo conseguia entrar. Dentro de nós, onde os corações pulsaram e os olhos se fundiram. Falámos em silêncio enquanto a música que vinha do canto das estrelas compunha os versos que seria a nossa paixão. Como é que não nos tínhamos visto antes? Como é que aconteceu esta simbiose, este encontro? Sim, falo pelos dois. Recordo-me bem dos detalhes, entraste e vimo-nos. Foste dançar. Eu também. Ficas comigo, quiseste saber? Era tudo o que eu queria. Fiquei.
Tínhamos medo que a noite acabasse com a música. Levámo-la connosco para a praia e com ela o sol nasceu. Não parámos de falar da vida, das nossas histórias, de música e dos nossos autores favoritos. Dos sonhos e dos medos. Cada nova descoberta esculpia o raio que espreitava entre as nuvens. Vimos estrelas cadentes e pedimos desejos secretos. O mesmo livro favorito, o mesmo sabor de gelado. Abrimos a alma, feita de pó das estrelas. Rimos e ficámos encostados um ao outro em silêncio. Olhámo-nos com olhos profundos, tristes e com medo de alguma dor. A felicidade deste momento podia acabar como no passe de mágica com que tudo começa. Imprevisível e inesperadamente. Seríamos o sonho das estrelas da noite?
O desejo pedido às estrelas encaminhou na direcção certa a flecha disparada. Sabíamos. O desejo de amor que numa noite de estrelas nos acertou e se consumiu através de nós. Os corações saíram disparados na direcção do outro. Uma partícula do pó do cosmos tinha-se junto a ambos para se experimentar. Éramos parte da poeira estrelar. Ficámos dentro do amor.
O sol renasceu e ganhámos a capacidade de sermos eternos. Ficas comigo, quis saber? Quero! Mais que tudo, preciso! Ficaste.

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