sexta-feira, 25 de julho de 2014

Resgate- Mini conto

Mini conto dedicado aos amores profundos que dão sementes em particular. Aos que entendem a linguagem do amor em geral.

Pintura do meu sobrinho Sidney Cerqueira


Resgate

Violentado no coração? Raptado e prisioneiro em paredes sem limites. Sem chão nem tecto, surdo e cego.
Da voz que sai, chegam ecos de murmúrios perdidos. Emotivos. Sem nexo. Sem razões.
Desconhecido passado, presente e futuro e no entanto prisioneiro. Sem amarras. Amarrado sem ilusão quanto ao dia da libertação. Que pode ser nunca. Quero que seja…nunca.

Afrodite movimentava-se pela sala e dançava. Eu hipnotizava-me pelo movimento das ancas redondas e generosas. Voltava aquele lugar para lhe confessar a minha cegueira. E ficava mudo. Apenas a sabia ouvir e ver.

Como se pode ficar assim? Começa com um pensamento macio. Tornou-se insidioso. A deusa do amor a essência da beleza feminina derramava-se para mim.

Bebia por um copo redondo um líquido escuro. O copo era o símbolo da fertilidade que transmitia. Queria ser o útero onde ela derramaria o seu ser divino.

Tudo o que sabia era que tinha sido atingido por uma seta, no meio do peito. O coração começou por bater acelerado, depois passou ao descompasso, continuando selvático, prosseguindo desordenado, sem padrão.

Percebi a pureza e o poder de não ter fronteiras. Uma explosão pura de energia natural. Era amor.
A mais poderosa, natural e ilimitada fonte de energia.
Acabava de ficar preso, enclausurado, sequestrado, atirado contra as paredes de uma prisão que me iria fazer sangrar. Eu bem lhe conhecia as feridas.
Sabia que voltariam um dia. Em pouco tempo sabia que tinha sido sequestrado.

Sei que quando acontece a explosão, entramos numa piscina profunda. A água vai-nos cobrir até começarmos a engolir demasiada, descontroladamente até ao afogamento.
Lutamos mas depois surge a rendição. Tenho medo, porque sei que vou amar voltar a amar.
Ela. Porquê ela?
Não tenho razões. Tenho todas as razões. Uma estranha que se entranhou. Conheço-a bem.
De sempre. Sem pensar.
A explosão desta energia invadiu e não me dá espaço para ter um único pensamento.

Estou preso na mente, no coração, no espírito, na alma, no corpo.
Vou querer deixar-me afogar sabendo que afogar-me no seu colo é o maior prazer da vida. Porque sei que a prisão vai ser o meu fim.
No final nunca irá haver resgate.

Os meus sonhos começaram por ser poesia em imagens.
Ela sabe o que é amar antes de mim e provavelmente vai amar outro para além de mim, se me amar alguma vez. E que me importa?

Na imperfeição que é como ser, deixa-me mudo perante a perfeição com que me enche a mente, o coração, o espírito, a alma.
Será imperfeita como eu?
Só quero assegurá-la que se me dedicar um olhar, abraçá-la- ei nos meus braços imperfeitos para que não tenha medo.
Não a deixarei como um homem vulgar e imperfeito pelas suas imperfeições. Serei eu perfeito a amá-la.

Nem sei se me dedica algum pensamento dos seus momentos, mas eu ocupo o meu dia pelos dois, a pensar em mil imagens e palavras que a façam sorrir e olhar para mim. Se só um sorriso lhe conseguir arrancar, sei que na prisão ficarei para sempre.
Sei que ficará a saber que a felicidade é estar nela, na loucura do seu sorriso que me faz ficar louco.

Ela deusa, olhou-me, sorriu-me um dia, pensou-me por segundos talvez.
Ó deusa bendita porque sou digno do teu olhar?

Derrama o teu segredo sobre a forma de amor no meu coração aprisionado. E não me deixes ser resgatado. Viverei para dar vida ao mar morto que é a água da minha vida. Através da tua vida. Viverei para a tua. Para a vida que de ti vem.

O meu sonho, a minha utopia, o meu jardim derramou nova vida em mim. A semente do amor. Viverei para ambos sem querer ser resgatado.

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