O lugar era
perfeito. Sentia-se esmagado pela simbiose das cores, da luz e da energia que
emanava da vegetação junto às águas do rio. Hoje ele também se sentia com
aquelas cores, com aquela luz e energia que pulsava no sangue.
Quantas vezes a sua câmara captava os
reflexos das sombras cinzentas da sua alma. Ali parado, com a máquina pendurada
ao pescoço sonhava de olhos abertos. Sonhava a cores. O rosto dela estava ali à
sua frente. O sorriso rasgou-lhe o rosto inesperadamente e brilhou sem razão.
Por todas as razões aquele talvez fosse o melhor retrato a cores da sua vida
que lhe tirava. Nunca o revelou.
Sentia de
novo o momento em que sem pensar na razão teve vontade de a voltar a abraçar.
Ela entregara-se sem pensar nalguma razão para não o aconchegar no peito.
Permaneceram
a olhar-se. Sem fim.
Recordava-se
agora sozinho e esculpiu o seu corpo na imaginação, nesse lugar secreto onde
gravou a sua imagem.
Tinha marcas da
ausência dela. Insuportáveis. Indeléveis. No corpo as deixadas pelo cheiro. A
dor que sentia vinha da pele pêssego colada à sua. Na boca o beijo magoado com
sabor a sal quando se misturaram as lágrimas de ambos.
O destino entretinha-se com
brincadeiras misteriosas. Certamente que era algum anjo sentado lânguidamente numa
nuvem no jardim de Éden a escrever estórias. Deveria ter sentido de humor,
pensou. Muito humor com ironia. E sensibilidade também ou não fosse um anjo. O
sorriso aqueceu-lhe o olhar.
Quando a viu naquele lugar improvável
uma luz encadeou-os na direcção do outro. Inexplicavelmente sem que o tivessem
sonhado encontravam-se ao fim de anos de ausência. Anos que tinha deixado de
contar. Ali estavam frente a frente.
Jorraram aos gritos as palavras silenciosas
no abraço sentido a que se entregaram. De novo as marcas regressaram como se
apenas tivessem procurado refúgio temporário atrás de uma gota de suor, depois
da última vez que se tinham amado.
Sem razão para calar o que tinha
ficado interdito de ser dito, deixou que as palavras saboreassem a leveza da
liberdade. Lavou-se nas lágrimas que se ofereciam com as palavras que calara. Secou-se
no abraço que ela lhe ofereceu.
Com desassombro rogou-lhe ela que
nunca mais partisse, porque do amor, ela, nunca se tinha ausentado. Deram-se as mãos, rumo ao desconhecido que sempre tinha sido o trilho, que ambos sabiam ser o único que existia.
Ali parado, com a máquina pendurada
ao pescoço sonhava de olhos abertos. Sonhava a cores.
Finalmente ia chegar a casa e revelar
o retrato que nunca antes se tinha permitido revelar.
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