Na espuma dos nossos dias,
Nestes tempos escrevi um livro. Ou
antes, escrevi crónicas ao longo de 12 anos que uma editora quis transformar em
livro. Eu agradeço. Mas não se vende. Como deveria. Escrevo muitas outras
coisas. Escrevo o que me apetece. E muito mais gente escreve. E deveríamos
poder publicar e vender. Nestes tempos como em todos.
As letras têm pés para andar, mãos
para as agarrar mas faltam-lhe solas para as calçar de solidez. Antes de se
evaporarem num ar que se lhes dá. Como nos querem. Desaparecidos no nevoeiro.
Ignorantes e sem dinheiro para comer. Nem sopas nem letras.
Ando por aí a fazer apresentações do
livro e outros escritores também. Mas não vendem. Porque as letras não se
comem. São alimento para outros fins. Os do espírito e da alma. Os últimos a
ser queridos. Não aconchegam o estômago. Como “eles”, os que nos condenaram a
esta morte, nos querem fazer acreditar.
Sei o que é andar feliz por ter
encontrado no meu gps as coordenadas para me “pirar” de vez em quando. Ando
mesmo. Para não me pirar de vez. Da cabeça. Como diz uma piada que encontrei
por aí nas minhas leituras diagonais.
Piro-me quando me junto com a tribU
que me acompanha neste caminho onde andamos todos sem bússola, nesta viagem sem
destino. Para não pirar. Não conseguimos prever, imaginar ou sequer planear
qual será. A quase todos nos falta esta segurança. O que vai ser de nós?
Estamos no meio de um nevoeiro cerrado, debaixo de uma chuva torrencial que
enlameia o caminho e nos deixa cegos.
Mas com frequência caio no chão. Como
chegámos aqui? Os lusitanos de reformas miseráveis ou outra gente normal, anda
com a tensão arterial a baixar perigosamente e, a pressão a subir
vertiginosamente.
Que vai ser de nós gente que
trabalha nas artes, gente que trabalha nas fábricas, gente que trabalha, gente
que quer trabalhar, que precisa de trabalhar? Gente que precisa de se sustentar
para viver, para respirar, para pagar medicamentos, para se poder pirar de vez
em quando? Somos cada vez mais, gente normal, que nada tem. Que desmaia com
fome. Que fica sem poder ter nem letras, nem sopa.
Somos uma manta de retalhos de gente
a ficar velha, que entre santos populares e festivais de verão está deprimida, esfarrapada,
com borbotos, coçada, com insónias, desesperada, com falta de soluções, falta
de dinheiro, falta de trabalho estável, de separações familiares, de violência,
de psicoses, de noites sem dormir, com falta de saúde, com os nervos à flor da
pele. De gente que já dorme em cama de espigões. Quase a pirar de vez.
Quo vadis Ítaca minha, Portugal meu
e de Camões? Tens de te cumprir! Não me deixes pirar sem te ver irrevogavelmente
mudar!
Mudaram-se os tempos, para os piores
tempos da minha vida, mas a minha vontade não muda. A de mudar estes tempos.
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